Brasil de Fato
- 16/05/2017
Para entidades sindicais, medida desconsidera contexto de
trabalho e estaria voltada à redução do Estado
O projeto de lei do Senado (PLS) 116/2017, que entrou em
tramitação no último dia 20, é uma das novas preocupações das entidades
representativas dos servidores públicos brasileiros. De autoria da senadora
Maria do Carmo Alves (DEM-SE), o PLS objetiva a demissão de servidores públicos
que tenham seu desempenho avaliado negativamente, acabando, assim, com a
estabilidade desses profissionais. Para organizações sindicais ouvidas pelo
Brasil de Fato, a medida estaria sintonizada com as tentativas recentes de
deterioração do serviço público, com vistas ao fortalecimento da ideia de
Estado mínimo.
O projeto propõe que os órgãos e entidades da administração
pública realizem, a cada seis meses, uma avaliação do desempenho de seus
respectivos servidores, podendo demitir os funcionários que receberem nota
inferior a 30% da pontuação máxima estabelecida durante quatro avaliações consecutivas.
Profissionais que apresentem desempenho abaixo de 50% em cinco de dez
avaliações também podem ser demitidos e o afastamento estaria condicionado a um
processo administrativo para tratar de cada caso.
A medida busca regulamentar o dispositivo constitucional que
trata da perda de cargo por servidores públicos, que ainda não possui uma lei
específica, e se aplicaria às esferas federal, estadual e municipal, incluindo
os órgãos dos Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Críticas
Para a dirigente Rosilene Correa, da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o PLS penaliza o trabalhador que opera no
serviço público sem considerar o contexto espinhoso do setor, que, para ela,
estaria permeado de problemas de outra ordem.
“Muitas vezes você passa num concurso e não tem uma gestão
que faz um acompanhamento do servidor, o que pode acabar gerando um serviço que
deixa a desejar, mas não necessariamente isso é uma responsabilidade única do
servidor. É preciso ter gestão. Achar que só o servidor tem responsabilidade é
começar já condenando ele”, aponta Correa.
A dirigente levanta ainda a necessidade de medidas mais
estruturais, que tratem da repaginação dos procedimentos de gestão. “A gente
precisa de correções, mas na gestão, no sistema como um todo. Claro que o
servidor é peça estratégica, mas não como alguém que possa ser descartado
assim. Você precisa é de uma política de investimento, de maior qualificação”,
defende.
Para Correa, o PLS 116 poderia contribuir para o processo de
“deterioração” do serviço público e estaria conectado a outras medidas recentes
que, na avaliação dela, caminham nessa direção.
“O que está por trás disso é uma política no sentido de
criar mecanismos que reduzam o Estado. É o que se vê, por exemplo, com a ideia
de ficar sem concursos públicos também, para ir reduzindo o número de servidores,
porque aí depois você vai terceirizando e privatizando tudo. O que está
acontecendo no país é isso”, assinala.
Na mesma linha de raciocínio, o secretário-geral da
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio
Ronaldo, argumenta que o PLS pertenceria ao universo das iniciativas que visam
à desidratação da máquina pública.
“Nós estamos assustados com a ofensiva contra os servidores
e os serviços públicos, porque é assustadora a falta de trégua que estão dando
ao conjunto do funcionalismo. Primeiro, aprovaram a redução dos investimentos
públicos por 20 anos, depois vieram reforma trabalhista, terceirização e o fim
da aposentadoria. Parece que resolveram declarar guerra à classe trabalhadora”,
critica o dirigente.
“Desnecessário”
Para Ronaldo, o projeto proposto pela senadora sergipana
seria “desnecessário” porque a administração pública já prevê medidas voltadas
à penalização de servidores que não cumprem com suas obrigações. Ele cita, por
exemplo, a avaliação de desempenho dos servidores federais feita anualmente
pelos respectivos gestores.
“Se ele não for bem avaliado, é penalizado com a remuneração
e a gratificação cai. Se for avaliado negativamente por três vezes seguidas,
ele precisa ser capacitado, qualificado, e a gratificação, nesses casos, também
cai. Já tem esses mecanismos e o próprio código de ética dizendo que ele pode
ser demitido se não cumprir com as obrigações”, exemplifica o secretário.
Para o dirigente, o PLS estaria mirando o alvo errado no que
se refere, por exemplo, à qualificação do trabalho apresentado pela rede
pública no país. “O que existe é a ineficiência das gestões e do Estado em
quererem que o serviço público atenda da forma adequada a população brasileira,
porque aí tem que encontrar um culpado, e acaba sendo o conjunto dos
servidores. Essa é a questão que está apresentada”, acredita Ronaldo.
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é o trecho segundo o
qual “a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e
psicossociais não será óbice à exoneração, se for constatada a falta de
colaboração do servidor público no cumprimento das ações”.
Na prática, o concursado poderia, então, ser demitido do
serviço público ainda que o eventual mau desempenho esteja relacionado a
questões de saúde. Para Ronaldo, o PLS peca ao permitir a demissão sem
considerar o contexto muitas vezes inadequado de trabalho a que os servidores
são submetidos.
“Tem que melhorar uma série de coisas, incluindo a saúde
complementar deles, pra que eles possam desenvolver suas atribuições com
harmonia. Não queremos defender o servidor que não cumpre com seu dever de
casa, mas é evidente que o Estado precisa ver os dois lados”, defende o
dirigente.
Ronaldo acrescenta ainda que cerca de 90% do total de
servidores federais têm problemas de inadequação da remuneração e das condições
de trabalho e mais de 60% deles têm acima de 40 anos de idade, o que, na
avaliação dele, deveria ser considerado como fator gerador de problemas de
saúde.
Outro lado
Procurada pela reportagem para comentar as críticas feitas
por fontes ouvidas nesta reportagem, a senadora Maria do Carmo (DEM-SE),
respondeu, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que “não há intenção
de punir o servidor público concursado”.
“O que não podemos deixar é que a estabilidade seja usada
como instrumento de impunidade para o servidor que não desempenha suas funções
e que prejudica o cidadão na sua demanda por serviço público”, completou a
parlamentar, afirmando ainda que “a maioria dos servidores desempenha muito bem
suas funções”.
Ela acrescentou que, apesar de existirem normas que tratem
do assunto, a Constituição Federal prevê que a avaliação de desempenho seja
definida por uma lei complementar, o que justificaria, na avaliação dela, a
proposição do PLS 116/2017.