Consultor Jurídico
- 20/06/2017
O presidente Michel Temer não poderia ter editado a Medida
Provisória 765/2016, que concedeu aumento a servidores públicos federais e
criou o “bônus de eficiência” para auditores fiscais. De acordo com estudo da
Consultoria de Orçamento Fiscalização e Controle do Senado, a medida é
inconstitucional e viola toda a legislação financeira do país. Entre os
problemas apontados, estão falta de estudos de impacto financeiro, ausência de
previsão da origem do dinheiro e falta de clareza sobre os métodos de cálculo.
A medida foi aprovada pelo Congresso no dia 1º de junho
deste ano e foi enviada à sanção presidencial no dia 17. Foi editada em
dezembro de 2016 para encerrar uma greve de servidores públicos federais, que
pediam aumento salarial. O texto da MP teve origem em projeto acordado entre o
governo Dilma Rousseff e sindicatos de servidores, mas que havia sido
transformado num projeto de lei. O governo Temer decidiu impor o aumento por
meio da medida provisória.
Mas, segundo a Nota Técnica da Consultoria do Senado, os
mesmos problemas vistos no projeto acordado entre governo e sindicatos foram
reproduzidos na MP 765 e aprovados pelo Congresso. Por isso, a melhor solução
para o texto seria vetá-lo integralmente, recomenda o estudo.
O estudo foi encomendado pelo senador Ricardo Ferraço
(PSDB-ES). A Nota Técnica da Consultoria do Senado é do dia 31 de maio, dia
anterior à aprovação da medida provisória pelo Congresso.
A principal inconstitucionalidade vista pelos pareceristas
na MP é a violação ao princípio da transparência: a exposição de motivos da MP
apenas informa os valores brutos de impacto financeiro aos cofres da União.
Segundo o estudo, o governo apresentou estimativas de impacto em um ano sem
considerar o impacto do ano anterior. Dessa forma, o governo aparentemente
conclui a União gastaria mais com os reajustes da MP em 2017 do que em 2018 e
em 2019.
Isso significa, segundo a Nota Técnica, que o governo
considerou como “impacto” o crescimento do gasto em relação ao anterior. O
correto seria informar o gasto de um ano somado ao do ano anterior. “A ausência
de tais informações impede uma avaliação completa acerca da exatidão dos
impactos financeiros apresentados, colocando o Congresso Nacional em uma
posição de dependência e assimetria de poder em relação ao Executivo”, diz o
parecer.
Responsabilidade fiscal
O parecer da Comissão do Senado afirma que a MP é
“potencialmente violadora do Novo Regime Fiscal”. “Potencialmente” porque,
devido à falta de informações da exposição de motivos, é difícil avaliar qual o
aumento real produzido pela proposição. Mas foi possível verificar tanto
violações à Lei de Responsabilidade Fiscal quanto às leis orçamentárias de 2016
e 2017.
A referência ao novo regime fiscal é ao chamado “teto de
gastos”, criado pela Emenda Constitucional 95/2016. A emenda foi a medida de
primeira hora do governo Temer: a nova equipe econômica avaliava que a causa
das crises econômicas do país eram gastos maiores que a arrecadação. A solução,
então, foi limitar o gasto público federal de um ano ao índice da inflação do
ano anterior.
Ficou estabelecido que a emenda vale até 2037, podendo ser
revista em 2027. Portanto, a EC 95 proibiu o crescimento real de investimentos
públicos por pelo menos dez anos.
O parecer da Consultoria do Senado afirma que, diante da
falta de informações prestadas pelo governo sobre a MP 765, é impossível saber
se os aumentos salariais ficaram dentro do teto. Mas analisa que foi violado o
artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga qualquer aumento de
gastos a vir acompanhado da estimativa de impacto e da declaração do “ordenador
de despesa” de que o aumento tem adequação financeira.
Tanto a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, ano da
edição da MP, quanto a de 2017, ano da discussão pelo Congresso, repetem essa
regra. E a medida provisória não obedece a nenhuma delas, segundo o parecer do
Senado: nem a estimativa de impacto está correta e nem as contas de adequação
ao orçamento são verificáveis, já que publicadas na exposição de motivos sem a
devida metodologia de cálculo.
Urgência
O estudo da Consultoria do Senado também conclui que não
havia urgência na concessão de aumento aos servidores para justificar a edição
da MP 765. A Constituição Federal só permite a edição de medidas provisórias,
leis do Executivo que não passam pelo Congresso, para tratar de matérias
relevantes e urgentes.
De acordo com a Nota Técnica, o tipo de despesa criada pela
MP não pode ser considerada urgente. São gastos “de caráter continuado e
obrigatório”, que precisariam de “reflexão e prudência” antes de ser
autorizados. “Se por um lado há os servidores beneficiários esperançosos e
necessitados de correção salarial, por outro, há o contribuinte que custeará a
decisão.”
Despesas urgentes, define o estudo, seriam as que devem ser
feitas imediatamente para estancar algo que exige solução rápida. Nos casos de
despesas continuadas, mas urgentes, o correto seria a apresentação de um
projeto de lei com um pedido de urgência, previsto no parágrafo 1º do artigo 64
da Constituição Federal. O dispositivo prevê tramitação diferente, em menos
comissões, para os textos atingidos por esses pedidos.
Rapidez na tramitação
Uma das justificativas do governo para editar a medida
provisória para tratar de aumento salarial foi a demora na tramitação de um
projeto de mesmo texto em discussão na Câmara. É o texto acordado pelo governo
Dilma com os sindicatos. Segundo o governo, a edição de uma MP visou “reter
profissionais com nível de qualificação compatível com a natureza e o grau de
complexidade das atribuições da carreiras beneficiadas”.
“Ora, negociações, acordos, promessas ou quaisquer outras
razões que desencadeiam a elaboração de projetos de lei ou de medida
provisória, embora relevantes, não vinculam o Congresso Nacional”, responde o
parecer do Senado. “Com agenda e oportunidades próprias, nem sempre atende à
percepção de urgência e pretensão dos interessados”, diz o texto. “O desenlace
da tramitação legislativa das proposições pode resultar, inclusive, em texto
totalmente diverso do inicial, ou em texto algum, como no caso de rejeição.”
Ao optar por editar a medida provisória, o governo privou o
Congresso de participar do debate, violando o princípio da separação de
poderes, além de evitar uma discussão pública sobre o tema. “Com a edição da
medida provisória, demonstrou-se a sobrepujança de um Poder em relação ao
demais.”
Por Pedro Canário