R7 - 09/07/2017
O corte já compromete o caixa de órgãos emblemáticos, como
Receita e Polícia Federal
Primeiro foi o anúncio de que já não havia dinheiro para
emitir passaportes. Na sequência, a Polícia Rodoviária Federal avisou que
reduziria horários de atendimento ao público e até as rondas nas estradas para
se adequar à redução no orçamento. Os casos, segundo o jornal O Estado de S.
Paulo apurou, não são isolados. Por causa do corte de R$ 38,7 bilhões no
orçamento federal deste ano, diversos órgãos começam a ter problemas para
operar e, inclusive, para oferecer serviços à população.
Relatos de falta de dinheiro pipocam em diferentes áreas. O
corte já compromete o caixa de órgãos emblemáticos, como Receita e Polícia
Federal. Os melhores termômetros do aperto são as empresas públicas Serpro e a
Dataprev, que atuam no setor de tecnologia da informação e têm clientes entre
órgãos do governo. Ambas são vítimas de “fogo amigo financeiro”: têm
dificuldade de receber de empresas da própria União.
Na área de infraestrutura, a EPE (Empresa de Pesquisa
Energética), responsável pelos projetos do setor elétrico, chegou ao ponto de
pedir doações de equipamentos. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes) tem recursos apenas para não interromper obras básicas. A ANTT
(Agência Nacional de Transporte Terrestre) trabalha com menos de 60% de
funcionários necessários para o porte de sua estrutura. O recém-anunciado
programa Avançar, criado na atual gestão para fomentar investimentos em obras
públicas, pode morrer na largada por falta de recursos. Na área ambiental, onde
ICMBIO foi uma das instituições das mais afetadas: a preocupação é como manter
abertos parques nacionais quando em alguns falta dinheiro até para garantir a
alimentação dos funcionários.
Como explica José Fernando Cosentino, consultor de Orçamento
e Fiscalização Financeira Câmara dos Deputados, a margem de manobra do governo
para cortar é estreita. Dos quase R$ 1,3 trilhão de despesas, menos de R$ 150
bilhões são passíveis de cortes — enquadram-se como despesas discricionárias. O
resto é gasto obrigatório por lei, como Previdência e salários, cujo custo não
para de aumentar e vai “comendo” os recursos disponíveis. “O corte nas despesas
está no osso e não surpreende que comece a afetar alguns serviços”, diz.
Diferenças
O governo cortou cerca de 26% das despesas discricionárias.
Mas é preciso olhar cada pasta para saber o efeito do corte, explica Vilma da
Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getúlio Vargas).
O ministério da Justiça ficou sem 43% dos recursos previstos
e faz sentido que Polícia Federal e Polícia Rodoviária reclamem de falta de
dinheiro. Nesses órgãos também estão categorias de funcionários públicos mais
organizadas e independentes, com poder de pressão e resistência a ajustes
financeiros mais severos, dizem os especialistas na área. Gritam mais alto.
No Ministério da Educação, o corte foi de 18%. Universidades
federais começam a sentir dificuldade para pagar contas básicas, como a de luz.
O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, discorda da
avaliação de que o aperto já afeta a prestação de alguns serviços e o
funcionamento de parte da máquina pública. Afirma que o governo vai priorizar,
com a liberação dos recursos, serviços essenciais da administração pública.
Segundo ele, os valores serão suficientes para os órgãos funcionarem com
normalidade até o fim do ano.
No Ministério da Fazenda, porém, o secretário de
Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida, reforça que se a recuperação
demorar, o governo tomará medidas duras: “Se for preciso, vamos cortar nas
despesas obrigatórias, com planejamento, mas vamos”, diz.
Opção
Na avaliação da economista Ana Carla Costa, sócia da Oliver
Wyman, consultoria estratégica de negócios, há dois lados na situação que se
vê. O primeiro, é que os órgãos públicos, nos últimos anos, se acostumaram a
cortes para cumprir tabela: “No fim, se precisassem, o dinheiro aparecia, mas
agora, a equipe econômica não vai aceitar isso. Corte é corte”, diz.
Mas Ana Carla e vários outros economistas afirmam que o
cenário fiscal se complica agora porque o governo optou por um ajuste brando no
curto prazo. Questionam em especial o reajuste do salário dos servidores. Como
a inflação despencou, e a receita não reage, eles pesam mais do que o previsto.
O economista Marcos Lisboa está nesse grupo. Diz que o teto
para o aumento do gasto e a reforma da Previdência são importantes. Mas ele
contrapõe que o déficit do governo hoje está próximo de R$ 140 bilhões e, para
evitar que o endividamento saia de controle, é preciso fazer um superávit de
quase R$ 250 bilhões. “A situação seria melhor se o governo não tivesse dado
reajuste para os servidores, não fracassasse na questão dos Estados, que seguem
com problema de caixa, e tivesse revisado as desonerações do governo de Dilma
Rousseff”, diz Lisboa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo