Jornal do Comércio
- 03/07/2017
De acordo com a Constituição Federal, um servidor público
estável - aprovado em concurso e que cumpriu os três anos de estágio probatório
- só pode perder o cargo nas situações previstas no parágrafo primeiro do
artigo 41: em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante
processo administrativo e, ainda, procedimento de avaliação periódica de
desempenho - em ambos os casos, assegurada defesa. No último caso, que versa
sobre a avaliação de desempenho, há a ressalva de necessidade de lei
complementar que regulamente a questão. A propósito disso, foi apresentado o
Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 116/2017, em abril deste ano, pela senadora
Maria do Carmo Alves (DEM-SE) - a matéria tramita na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) sob relatoria do gaúcho Lasier Martins (PSD).
Justificando que quer corrigir uma lacuna de quase 20 anos
de "inércia" do Parlamento em relação à alteração constitucional que
instituiu a necessidade da avaliação no serviço público, a proposta abrange
órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional
dos poderes da União, estados e municípios. Na redação do projeto, estão
previstos quatro ciclos de avaliação que, com base em dois critérios fixos -
qualidade e produtividade - e 12 fatores tidos no projeto como variáveis,
dentre os quais cinco serão considerados nas avaliações semestrais às quais os
servidores serão submetidos.
O projeto estabelece
ainda que a avaliação será praticada pelo servidor público estável que seja
chefe imediato ao avaliado. Contudo, não define o destino dessa avaliação caso
a chefia em questão seja exercida por um cargo comissionado - questionada, a
autora do projeto diz que essa possibilidade "não deve existir". A
proposta segue estabelecendo diretrizes, como parâmetros para a atribuição de
nota, período avaliativo prévio antes da exoneração e meios de defesa. Maria do
Carmo assegura que não se trata de um projeto para punir servidores, "que
em sua maioria cumpre as funções". "A avaliação não é em função da
pessoa, mas do serviço que presta à comunidade". A senadora sustenta que,
com a aprovação da lei, pretende "proteger a sociedade dos maus
funcionários, que se aproveitam da estabilidade para prestar um mau
serviço".
Sindicato dos técnicos-científicos diz que proposta é 'para
inglês ver'
Professor de Administração Pública e chefe do Grupo de
Pesquisa em Estado, Democracia e Administração Pública da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Aragon Érico Dasso Júnior relembra que o debate,
na época em que foi apresentada a Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou
a redação do artigo 41, era sobre eliminar o preceito da estabilidade no
serviço público. Como não foi possível, algumas modificações foram aprovadas,
dentre as quais a instituição da avaliação dos servidores. "O problema é
que o servidor público está fora do debate. Ninguém é contra a exoneração por
insuficiência de desempenho, mas quais serão os critérios?", questiona
Dasso.
O professor demonstra preocupação com o texto do projeto e
antecipa cenários para a redação final da proposta: "se tiver envolvimento
dos sindicatos e servidores no processo, vai ter legitimidade. Se não, vai ser
só uma lei para exonerar servidores". Autora do projeto, a senadora Maria
do Carmo Alves (DEM-SE) admite que não houve discussão com setores do
funcionalismo público. Ela justifica a redação do projeto fazendo um paralelo
com a iniciativa privada. "Na empresa privada, quando a pessoa é
contratada para determinada função, se não fizer bem, a lei não diz o que
fazer, mas ela perde seu emprego." A professora Vera Monteiro, do programa
de pós-graduação em Administração Pública da Fundação Getulio Vargas - São
Paulo (FGV-SP), acredita que a comparação é válida, ressalvando que, no caso do
serviço público, "a comprovação do descumprimento da suficiência do
desempenho deve ser aferida de maneira formal", o que é possível com a
proposta de avaliação do desempenho.
Essa posição é questionada por categorias
representativas dos servidores públicos. O presidente do Sindicato dos
Técnicos-Científicos do Rio Grande do Sul (Sintergs), Nelcir André Varnier, diz
que esse é um projeto "para inglês ver". "Esse projeto é inócuo,
não vai gerar os resultados desejados. Muito pelo contrário, vai burocratizar
as relações de chefia e chefiado", critica. Varnier avalia que o texto não
foi bem elaborado. "Se uma chefia tiver que aplicar o que consta no
projeto, não vai fazer mais nada, só avaliar servidores." O texto agora
tramita pelas comissões do Senado e, se aprovado em plenário, passa pelo mesmo
processo na Câmara dos Deputados. Neste período, pode sofrer alterações através
de emendas.