BSPF - 02/07/2017
Do total gasto com deslocamentos, 58,11% se referem a
diárias — um único ministro recebeu quase R$ 50 mil. Especialistas criticam
despesas
Responsável por fiscalizar a utilização dos recursos
públicos federais, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu a torneira dos
gastos com viagens. Entre 2 de janeiro e 19 de junho deste ano, o órgão usou R$
372.629,33, entre passagens aéreas e diárias. O valor bancou 88 deslocamentos
no Brasil e 14 internacionais, nos quais membros da Corte participaram de
seminários, congressos, workshops, cursos diversos e agendas institucionais.
Do valor total, o maior montante, R$ 202.906,80, foi gasto
com diárias e passagens para outros países, como Argentina, Estados Unidos,
México, Áustria, Portugal e Peru.
Já os R$ 169.722,53 destinados a trajetos nacionais são
separados, segundo dados do próprio TCU, em duas seções. Uma delas inclui cursos,
palestras e seminários, com despesa de R$ 112.374,57. A outra se refere apenas
às viagens de representação institucional, nas quais foram usados R$ 57.347,96.
Todas as viagens foram feitas por um grupo de 15 pessoas:
oito dos nove ministros titulares; três dos quatro substitutos; e quatro dos
sete procuradores do Ministério Público que atuam na Corte (MPTCU).
Diárias
Um dado surpreende no montante gasto com as agendas
nacionais e internacionais fora do DF. Do valor global de R$ 372.629,33, a
maior parte se refere a diárias: R$ 216.561,26, o que corresponde a 58,11% dos
recursos usados em viagens.
Para cada dia fora do país, seja para estudar ou participar
de um evento, um ministro do TCU recebe US$ 691, cerca de R$ 2.290, na cotação
de sexta-feira (30/6). A diária é a mesma de ministros do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) e dos desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRF),
conforme a paridade assegurada no art. 73 da Constituição.
O valor da diária internacional é um pouco inferior para os ministros
substitutos e o subprocurador-geral (US$ 656); e para os procuradores (US$
623).
No caso das viagens nacionais, as diárias também variam de
acordo com o cargo. Os ministros e o procurador-geral do MPTCU recebem 1/30 do
subsídio mensal, de R$ 32.074,85. Ou seja, em deslocamento dentro do Brasil,
eles têm direito a R$ 1.069,16 por dia fora de Brasília. Já os ministros
substitutos e o subprocurador-geral ficam com R$ 1.015,70; enquanto os
procuradores ganham R$ 964,92.
Críticas
Para José Simões, professor de Administração e Políticas
Públicas do Ibmec-DF, tanto dinheiro desembolsado pelo TCU mostra que os
tribunais estão vivendo “fora da realidade” nacional.
Precisamos começar a questionar esses valores. O país está
pegando fogo, tanto na política quanto na economia, e o Estado ainda gasta
muito dinheiro com autoridades de todos os Poderes. Com cortes de até 40% em
todo o orçamento brasileiro, afetando áreas importantes, como a educação,
considero essas despesas com viagens abusivas para o contribuinte"
José Simões, especialista em políticas públicas
O economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas
Abertas, concorda. “Em época de contenção de despesas, no momento em que o
déficit primário previsto para 2017 é de R$ 139 bilhões, cabe ao TCU, como
órgão fiscalizador e guardião da responsabilidade fiscal, dar o exemplo.”
O economista ressalta que é preciso analisar e cobrar
explicações de todos os órgãos públicos. “O pente-fino nos dispêndios tem que
ser passado nos Três Poderes, inclusive no TCU, como órgão auxiliar do
Legislativo”, completa.
Do Peru à Áustria
Dos nove ministros titulares do TCU, apenas o presidente,
Raimundo Carreiro, não aparece na lista dos que viajaram por conta do órgão
para cursos ou seminários em 2017. Os demais fizeram viagens — dentro do país
ou internacionais — ao menos uma vez.
Quem mais realizou viagens internacionais para participar de
eventos foi o ministro Augusto Nardes. Ele participou de seminário organizado
pela Controladoria-Geral no Peru; de Reunião do Comitê de Criação e do Conselho
Deliberativo da Organização Latino-americana de Entidades Fiscalizadoras
(Olacefs), no México e no Equador; do Seminário República e Controle e da
Inauguração da nova sede da Escola de Controle do Peru; entre outras. Ao todo,
ele recebeu R$ 49.748,73 em diárias para essas viagens.
O valor é mais que o dobro dos R$ 21.346,58 recebidos pelo
ministro Walton Alencar Rodrigues em diárias para passar 11 dias em Portugal.
Em solo lusitano, ele participou de reunião técnica no Tribunal de Contas do
país europeu e do Working Party of Senior Public Integrity Officials — que
busca promover políticas anticorrupção. Já o ministro Aroldo Cedraz recebeu R$
15.411,92 para participar do 24º Seminário da Organização das Nações Unidas em
Viena (Áustria).
Seminários Brasil afora
Quanto às viagens nacionais, a maioria dos deslocamentos foi
para participar de seminários e reuniões importantes. No entanto, houve algumas
ocasiões que não condiziam com o interesse público. Uma delas foi quando o
ministro Benjamin Zymler recebeu diárias e teve as passagens pagas pelo Tribunal
para ir a Palmas receber o Colar do Mérito Governador Siqueira Campos. Em outra
ocasião, a ministra Ana Arraes esteve no Recife — sua terra natal — para a
celebração do Jubileu de Ouro da reinstalação da Justiça Federal de Pernambuco.
Esse tipo de viagem é justamente o principal alvo de
críticas do professor José Simões, do Ibmec-DF. “Até que ponto eles estão
melhorando o trabalho prestado no serviço público? Até que ponto essas viagens
se refletem em benefícios para a população? Se o TCU fiscaliza a administração
pública, quem fiscaliza o Tribunal? A Corte precisa prestar contas a alguém”,
afirmou.
A prestação de contas do próprio TCU também é motivo de
preocupação para José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da
Universidade de Brasília (UnB). “Eu entendo que o Estado deve gastar com a
formação de servidores, para que eles se especializem e devolvam esse
conhecimento em benefício da população. O que me preocupa é que quem autoriza
essas viagens são os próprios ministros. Como o presidente do TCU vai dizer não
a um colega, sendo que amanhã esse mesmo ministro pode estar na presidência da
Corte?” questiona.
“Compatibilidade com o interesse público”
Por meio de nota, o TCU informou que todos os deslocamentos
contaram com autorização da presidência do Tribunal e se destinaram a cumprir
missões oficiais ou tiveram fins de treinamento. “As viagens são realizadas
sempre levando em consideração a compatibilidade com o interesse público e as
atribuições do cargo”, disse o órgão.
Na comparação das viagens nacionais feitas entre 2 de
janeiro e 19 de junho de 2017 e o mesmo período do ano passado, houve um
pequeno aumento de gastos. Enquanto neste ano foram R$ 169.722,53, no mesmo
período do exercício anterior a cifra ficou em R$ 161.192,73.
Entretanto, não é possível fazer o mesmo comparativo em
relação às viagens internacionais, que custaram R$ 202.906,80 no período
analisado em 2017, porque o TCU não tem os dados compilados. “A não publicação
das viagens anteriores deve-se à falta de um sistema de tecnologia da
informação para a geração de relatórios consolidados, como foi possível
viabilizar a partir de 2017”, informou o órgão, em nota.
Fonte: Portal Metrópoles (Larissa Rodrigues)