BSPF - 01/08/2017
O Ministério do Planejamento recuou e informou, por meio da
assessoria de imprensa, que ainda não há um projeto consolidado para um
possível corte de despesas pela via dos benefícios dos servidores. Não há
discussão avançada nem mesmo sobre a presumível "avaliação" do
auxílio-moradia para pessoas que ficam muito tempo em um só lugar, conforme
havia mencionado o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo
Lima Júnior. Até porque, por conta da divisão entre os Poderes, o governo não
pode interferir no Judiciário e no Ministério Público da União (MPU) - onde se
encontram os montantes mais significativos -, a ponto de reduzir ou extinguir
vantagens individuais. E, no Executivo, os servidores federais ganham bem menos
em valores unitários.
Segundo o Planejamento, as carreiras recebem de
auxílio-alimentação R$ 458 mensais. Se têm direito a assistência pré-escolar, o
valor é de R$ 321. Ganham auxílio-transporte R$ 204,19 mensais. E com
assistência médica e odontológica (participação da União) o governo desembolsa
R$ 144,42 para cada trabalhador. Segundo estudos do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese), em 2015, o Legislativo (R$
785), o Judiciário e o MPU (R$ 752), à época, recebiam quase o dobro de
auxílio-alimentação. A assistência pré-escolar também era superior
(Legislativo, R$ 248, e Judiciário e MPU, R$ 594). Na assistência médica,
situação semelhante (R$ 240, R$ 220, R$ 213, respectivamente).
No entanto, a partir de 2013, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) determinou que não poderiam ser reajustados os valores dos
benefícios de auxílio-alimentação e a assistência pré-escolar "quando
estes ultrapassassem determinada média, fixada pelo Planejamento. Na prática,
isso resultou que fosse possível reajustar apenas os valores do
Executivo". Na LDO de 2017 (nº 13.408, de 26/12/2016), este dispositivo
está previsto no Artigo 114, a seguir:
"Fica vedado o reajuste, no exercício de 2017, em
percentual acima da variação, no exercício de 2016, do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, dos benefícios auxílio-alimentação
ou refeição e assistência pré-escolar, quando o valor per capita vigente do
benefício pago pelo órgão ou entidade no âmbito dos Poderes, do Ministério
Público da União e da Defensoria Pública da União, for superior ao valor per
capita da União, para cada um dos referidos benefícios, praticado no mês de
março de 2016", informou o Planejamento.
Disfarce
No entender de analistas e servidores, o governo está
tentando desviar a atenção da população para medidas impopulares como, por
exemplo, o aumento de impostos. "A equipe econômica apenas jogou uma
cortina de fumaça em cima das despesas obrigatórias. Porque sabe que a
sociedade já não acredita que a meta será cumprida, ou seja, que se faça o
Brasil crescer e aumentar a arrecadação. E não é razoável reter recursos que as
pessoas gastam e fazem o dinheiro circular", ironizou Sandro Alex de
Oliveira Cezar, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Seguridade Social (CNTSS). Ele admitiu que há abusos como auxílio-moradia para
magistrados e procuradores, no valor de R$ 4,3 mil, que eles recebem mesmo
quando moram no local onde trabalham.
"É claro que isso é um absurdo fora da lógica. Mas
ninguém acredita que os burocratas cortarão algum privilégio do Judiciário. A
intenção é sempre tirar o pouco que já têm os servidores do Executivo",
destacou. Roberto Veloso, presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais
(Ajufe), alertou que o benefício é recebido por força de decisão judicial e
determinação da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Nem uma Medida Provisória
derruba esse direito, que só pode ser modificado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). "Caso isso venha um dia a desaparecer, tem que ser para todas as
carreiras e depois de muita discussão. Não pode ser uma discriminação com os
juízes", reclamou Veloso.
O presidente da Ajufe disse, ainda, que sequer pode qual
seria a reação dos magistrados se vierem a ficar sem essa verba. "Somos
juízes e achamos que a lei vai ser cumprida". Para Veloso, em vez de
pensar em cortar direitos do funcionalismo, o governo deveria recuperar o
dinheiro desviado com a corrupção oficial que, segundo as estatísticas, chega a
R$ 6,4 bilhões por ano. "O foco está errado. Além disso, uma pesquisa
demonstrou que nas empresas, a corrupção, por ano, chega a R$ 49 bilhões, quase
2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país). Se o governo recuperasse
50%, não precisaria tirar nada do servidor, que é o lado mais fraco".
Incoerência
Para Floriano Sá Neto, presidente da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), "a lógica do governo é
incompreensível". "A gente chega a dar risada. Não sei como esse
corte poderia ser feito. Talvez, se por MP. Mas é bom avisar ao governo que não
espere que o servidor vá achar isso natural". Floriano defende a discussão
outras saídas com técnicos concursados, habilitados a indicar onde é viável enxugar.
No entender do especialista em contas públicas Gil Castello Branco,
secretário-geral da Associação Contas Abertas, o governo age de forma
incoerente. "Há cerca de um ano, deu reajustes salariais escalonados aos
servidores e 12 meses depois quer cortar benefícios. Isso mostra, no mínimo,
falta de planejamento".
Castello Branco salientou que o corte deveria acontecer onde
efetivamente há gordura. No Legislativo, por exemplo, há senador com 85
funcionários, caso de João Alberto de Souza (PMDB/PA). Em segundo lugar,
empatados estão Collor de Mello (PTC/AL) e Hélio José (PMDB/DF), com 85 pessoas
à disposição. Além de Ivo Cassol (PPS/RO), 71, Vicentinho Alves (PPS/RO), 67, e
Valdir Raupp (PMDB/RO), com 66. No total, são 3.422 servidores para o Senado. "Por
que, então, cortar benefício de quem ganha pouco?", questionou. O
economista Roberto Piscitelli, consultor do Senado, também tem dúvidas se o
governo conseguirá tirar as benesses do Judiciário e do MPU. "Há
privilégios que são verdadeiras aberrações. Coisas que vêm do tempo do Brasíl
Colônia. Difíceis de retirar".
No final, "como os graúdos não permitirão
interferência, os miúdos vão pagar a conta", disse Piscitelli. Ele espera
que, embora sendo uma estratégia perversa, que esse "recado ao
mercado" de que o governo quer cortar na carne, não passe de um mero
"distraidor" para amenizar a revolta da população com o aumento de
impostos. "Até porque direitos de quem precisa não pode entrar nessa
conta. O que deve ser olhado são os cargos em comissão e vantagens como o
auxílio-moradia que, além de um aumento salarial disfarçado, ainda é isento de
Imposto de Renda", assinalou.
Fonte: Correio Braziliense (Blog do Servidor)