BSPF - 05/08/2017
"O servidor público é um dos maiores problemas que o
Brasil tem hoje". É com essa afirmação polêmica que o juiz do Tribunal
Regional do Trabalho do Paraná (TRT-9) Marlos Melek defende que o país precisa
ter um Estado menor.
Um dos oito integrantes da comissão que redigiu a nova
legislação trabalhista no início do ano, aprovada pelo Congresso, Marlos Melek
argumenta que parte do funcionalismo é engrenagem de uma grande burocracia
alimentada pelo pagamento excessivo de impostos, que goza de benefícios aos
quais a maioria dos brasileiros não tem acesso.
"Nós precisamos pagar menos impostos e, para isso, não
tenho dúvidas, isso passa necessariamente por uma racionalização do serviço
público do Brasil."
Para ele, a única maneira de acabar com os privilégios é por
meio de uma reforma da Constituição, que corrigiria todas essas assimetrias de
diretos de uma vez só. "Aí ninguém vai se sentir otário", diz.
Apesar de considerar que a remuneração dos magistrados, que
há sete anos não têm aumento real, esteja defasada, o paranaense não concorda
com o pedido da categoria de reajuste de 16,38% em 2017, percentual também
pleiteado pelos procuradores. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen
Lúcia, tem demonstrado resistência para incluir a demanda no orçamento da
Corte, que será votado no próximo dia 9.
Hoje com 41 anos, Melek começou a trabalhar aos 14, em uma
pequena torneria mecânica em Curitiba. Foi dono da marca de cosméticos Ramelk,
que chegou a ter, sob sua gestão, 3 mil funcionários. Como empregador, foi
processado cinco vezes e fez acordo em uma.
Há 13 anos é juiz e atualmente faz parte do grupo de
trabalho convocado pela Presidência para implementar a Reforma Trabalhista e
discutir as mudanças que serão feitas na lei via Medida Provisória.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida
à BBC Brasil.
BBC Brasil - O senhor mudaria algo na lei trabalhista que
entra em vigor em novembro?
Marlos Melek - O que eu mudaria no texto? Eu delimitaria,
mostraria pra sociedade brasileira que nem todo mundo pode ser autônomo.
Autônomo é aquele que, além de trabalhar por conta própria,
sem subordinação da relação típica de trabalho, tem lei própria que regulamenta
a possibilidade de ele ser autônomo. Como, por exemplo, o motorista de carga, o
representante comercial, o corretor de imóveis. Para que a sociedade brasileira
não interprete que todo mundo pode ser autônomo.
BBC Brasil - Para que não haja carta branca para a
pejotização?
Melek - Exatamente. Não é por aí. A Medida Provisória - e
nós estávamos discutindo isso em Brasília ontem ou anteontem - vai colocar mais
três ou cinco parágrafos para explicar melhor a questão do autônomo.
Outra coisa que eu gostaria que fosse um pouco diferente
seria a delimitação da reparação em dano moral quando esse dano fosse
gravíssimo. Nós criamos uma parametrização de bandas em reparação moral em dano
leve, médio, grave e gravíssimo, porque a Justiça não pode ser uma loteria,
como em muitos casos acaba sendo.
Eu entendo que o gravíssimo deveria ter um valor maior de
teto. Mas isso também, ao que me parece, será corrigido na Medida Provisória.
Esse valor atual, de 50 salários contratuais, deve basicamente duplicar.
Acredito que ele vai atender ao objetivo da lei, a intenção do legislador de
permitir ao juiz que fixe uma reparação maior quando dano for gravíssimo.
BBC Brasil - A Medida Provisória vai criar um novo mecanismo
de financiamento das entidades sindicais?
Melek - A Casa Civil está bastante convicta de que o texto
que foi aprovado, como foi aprovado, é o texto ideal. Mas temos setores do
Ministério do Trabalho que ainda estão se esforçando para obter alguma forma de
financiamento não obrigatório, mas facultativo.
De que forma seria isso? Seria a possibilidade de uma
convenção coletiva criar uma obrigação financeira para o trabalhador e para o
empregador, que poderiam se opor de maneira simplificada a esta cobrança, sem
precisar ir pessoalmente, levar documento no dia tal.
É esse jogo de forças neste momento que interage em
Brasília. Certamente as autoridades constituídas saberão desmembrar esse nó e
iremos conhecer no curto prazo como ficará a questão do financiamento dos sindidatos.
BBC Brasil - Em suas palestras, o senhor costuma dizer que
os servidores públicos estão entre os maiores problemas do país. Em que
sentido?
Melek - Hoje nós temos um Estado que é muito grande, que se
intromete demais na vida das pessoas. E nós temos, nesse aspecto, um problema
que me parece bastante grande, que é o servidor público.
Veja, eu não me refiro, quero deixar muito claramente aqui,
ao policial Marcos, de 37 anos, que morreu assassinado com um tiro na cabeça em
plena luz do dia em Minas Gerais, em um assalto a banco quando estava
defendendo a sociedade; não me refiro à professora que está lutando para dar
aula no interior de Minas Gerais, do Ceará, muitas vezes ganhando um salário
hostil, um salário ridículo.
O que eu quero dizer com "o problema é o servidor
público" não é nem a figura do servidor em si, mas um sistema que gera
esse servidor público.
O exemplo mais patente que eu dou é do ônibus. Para rodar um
ônibus no Brasil você precisa de seis licenças diferentes: a do órgão de
transporte municipal, da Embratur, da ANTT, licenciamento, emplacamento,
IPVA... o que está por trás de tudo isso? Um monte de servidor público. Por que
tem que ter seis carimbos para rodar um ônibus no Brasil? Porque atrás de cada
carimbo tem três, quatro servidores públicos. Isso custa muito caro.
Isso sem falar que muitos servidores públicos têm
privilégios que precisam ser eliminados. Penso que deveríamos fazer uma lista
profunda de todos os privilégios que existem no Brasil - o fato de um deputado,
por exemplo, depois de dois mandatos, poder se aposentar - e eliminar todos ao
mesmo tempo. Aí ninguém vai se sentir otário.
Não adianta alguém falar aqui, "eu vou abrir mão, como
um paladino da justiça, de um benefício que eu tenho, de um privilégio que eu
tenho". Nada justifica esses privilégios que levam a críticas, seja do
servidor público, seja da iniciativa privada.
Nós temos realmente que acabar com todos os privilégios no
Brasil. O servidor público é um problema nesse sentido. Nós precisamos pagar
menos impostos e, para isso, não tenho dúvidas, isso passa necessariamente por
uma racionalização do serviço público do Brasil. É nesse sentido que eu digo
que o servidor público hoje é um problema no Brasil.
BBC Brasil - O senhor diz que o ideal é que não haja
"paladinos", mas que a gente faça tudo de uma vez só. Como isso seria
possível?
Melek - Com uma reforma constitucional, não tenho dúvidas. O
ser humano sempre sofre um abalo com qualquer mudança. Ninguém, em sã
consciência, individualmente posto, vai dizer "olha, eu topo, como
servidor público, que a partir de agora não tenha estabilidade". Ninguém,
em sã consciência, vai dizer "eu topo trabalhar mais".
Precisamos de uma reforma constitucional que retire
simultaneamente todos esses privilégios. É o único mecanismo que eu vejo que
poderia criar esse choque de cultura e de gestão no Brasil, assim como fez a
reforma trabalhista na relação capital e trabalho.
BBC Brasil - Em seus quase 15 anos de magistratura, o que
viu nesse sentido? São comuns no Judiciário casos em que auxílios e
gratificações são usados por juízes e procuradores para furar o teto
constitucional.
Melek - Sabe que, na Justiça do Trabalho, eu não vejo. Eu,
por exemplo, não tenho nem plano de saúde. A população desconhece que, hoje, o
juiz federal do trabalho está há exatamente sete anos sem aumento.
E aí, se você pegar reajuste, que é a reposição da inflação,
o último que aconteceu foi há cerca de cinco anos e foi de 5%. Por isso que o
governo nos deu esse auxílio-moradia (de R$ 5,8 mil), que está previsto em uma
lei muito antiga. Assim ele ainda economizou, é importante que a população
saiba. Eles pagam só para os que estão na ativa e não pagam nem um centavo para
os que estão aposentados, que estão sem reajuste e sem auxílio-moradia.
Esse negócio de 'vale paletó', de motorista, gasolina. Eu
lhe asseguro aqui: meu contracheque está na internet, meu subsídio é de R$ 14,5
mil por mês (segundo o portal da Transparência do TRT-9, este é o valor líquido
da remuneração de juiz do trabalho substituto; o valor bruto é de R$ 27,5 mil),
é isso que eu ganho.
BBC Brasil - Então o senhor é favorável ao aumento de 16,38%
pleiteado pela categoria?
Melek - Neste momento, apesar de a magistratura estar há
sete anos sem reajuste, vou ser bem sincero, eu tenho dito isso nos grupos de
magistratura dos quais participo: eu não penso ser razoável, neste momento
histórico do Brasil, em que nós temos 13 milhões de desempregados, não sou
favorável a nenhum tipo de reajuste para a magistratura neste momento.
Se for possível aos tribunais, com o orçamento que eles
próprios têm, remanejar alguma verba, como verba para obras, aí eu seria
favorável, porque isso não onera o Estado. Quando o Brasil voltar a crescer,
quando tiver melhores condições de empregabilidade para o seu povo, a
magistratura pode negociar com o governo toda essa reposição de perdas.
BBC Brasil - O senhor recebe pelas palestras que vem dando
desde a publicação do livro (Trabalhista! E agora?, lançado pela editora Estudo
Imediato)?
Melek - Eu não ganho dinheiro diretamente com as palestras,
eu aufiro direitos autorais do meu livro. A editora que me dá suporte, cobra
pelo deslocamento de um empregado, alguma coisa para montar a palestra, por
conta dos custos que ela tem. Não são valores elevados. Até onde eu sei não
passa de R$ 5 mil, isso já inclui passagens aéreas, a estada de quem é escalado
para ir.
BBC Brasil - As palestras de servidores do Judiciário
viraram tema polêmico depois que a corregedoria do Ministério Público instaurou
procedimento para investigar a comercialização de palestras dadas pelo
procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava
Jato em Curitiba. O que o senhor pensa a esse respeito?
Melek - Eu entendo que o magistrado, o procurador, não pode
receber nada do setor privado. Por isso que, quando dou palestras em
universidades, em OABs, em uma série de instituições, eu vou por conta própria,
não levo livros, não permito que a editora participe.
Essa minha palestra é remunerada como se fosse uma
hora-aula, e como é um assunto acadêmico, isso está absolutamente de acordo com
a legislação. Agora, em relação a um magistrado ou um procurador receber um
valor diretamente de quem quer que seja, não vejo isso com bons olhos, não
seria correto.
BBC Brasil - Como dono de empresa, o senhor chegou a tomar
algum processo, esteve do outro lado da mesa?
Melek - Sim. Em dez anos de empresa, eu tive no máximo cinco
ações trabalhistas no Brasil inteiro. Eu era muito cuidadoso, até porque eu
gosto desse tema. Ninguém era demitido sem aviso. Dessas cinco ações, fiz
acordo na primeira, que realmente eu não pagava RSR (repouso semanal
remunerado) sobre comissões, porque eu não sabia que tinha que pagar, foi um
descuido. Eu, reconhecendo que estava errado, paguei.
As outras causas foram de franqueados em que o trabalhador
postulava a responsabilidade subsidiária da franqueadora. Nesses casos, a
Justiça afastou a responsabilidade porque a lei é expressa, diz que o
franqueador não responde pelos débitos trabalhistas do seu franqueado. Nós
ganhamos essas causas por ilegitimidade de parte.