BSPF - 09/12/2017
O governo Temer-Meireles-Padilha, mergulhado em corrupção,
transpirando fisiologismo e completamente entregue aos mais mesquinhos
interesses do mercado, notadamente financeiro, insiste na aprovação de uma
draconiana Reforma da Previdência.
Ninguém em sã consciência rejeita de forma absoluta e
apriorística a realização de ajustes e mudanças na Previdência Social. O
aumento da expectativa de vida da população, algo muito salutar, diga-se de
passagem, e distorções nos vários regimes previdenciários indicam a
conveniência, ou mesmo a necessidade, de alterações nessa seara.
Duas questões, entretanto, são fundamentais num processo de
alteração das regras previdenciárias (numa visão mais restrita) ou das regras
da Seguridade Social (num enfoque mais amplo): a) até que ponto as mudanças são
necessárias e b) a partir de que ponto as reformas são excessivas e
representativas de desnecessárias fragilizações de direitos (abrindo espaço
para a atuação de poderosos interesses da previdência privada).
Impõe-se, portanto, um debate profundo, responsável, plural
e sereno em torno dessas questões tão sensíveis. A postura governamental,
particularmente na sua propaganda institucional, passa longe, muito longe,
daquele padrão adequado, democrático e republicano de tratamento do assunto.
Aposta, o discurso oficial, na construção artificial de um cenário apocalíptico
para as contas públicas e na imputação indiscriminada, irresponsável e injusta
de privilégios para o conjunto do servidores públicos (pintados como
verdadeiros demônios aproveitadores na forma de gente).
Esse quadro sugere uma série de questionamentos de extrema
importância. Entre outras indagações, as seguintes perguntas devem ser postas:
a) cerca de 500 bilhões de reais, entre 2006 e 2015, foram
desviados da Seguridade Social em função da Desvinculação de Receitas da União
- DRU. Se a Seguridade Social era (e é) deficitária por que valores
bilionários, a princípio destinados exclusivamente a ela, foram (e são)
desviados para outras finalidades?;
b) se a Seguridade Social era (e é) deficitária por que
desonerações e perdões tributários se sucedem com benefícios cada vez maiores
(as renúncias de receitas tributárias realizadas e projetadas, entre os anos de
2010 e 2018, alcançarão o montante de aproximadamente 500 bilhões de reais)?
Não seriam esses os verdadeiros privilégios a serem combatidos e revertidos?;
c) se a Seguridade Social era (e é) deficitária por que não
são adotadas medidas enérgicas de gestão voltadas para o combate à sonegação
(no patamar de 500 bilhões de reais por ano), ao planejamento fiscal, às
fraudes previdenciárias, à informalidade no mercado de trabalho e para
recuperação, em patamares mais efetivos, da Dívida Ativa da União (atingiu a
cifra de 1,84 trilhão de reais ao final de 2016)?;
d) se o objetivo da Reforma da Previdência é combater um
suposto déficit, privilégios inaceitáveis e implantar a “igualdade
previdenciária”, por que os militares não são alcançados pelas medidas?;
e) o governo, a grande mídia e o mercado estão alinhados na
defesa da implementação dessa Reforma da Previdência. Os interesses perseguidos
por esses setores são os mesmos da grande maioria da população brasileira?;
f) temos, infelizmente, quase 13 (treze) milhões de
brasileiros desempregados, com fortíssimo impacto na arrecadação
previdenciária. Por que esse dado não é tratado como uma das principais razões
para as dificuldades previdenciárias? Por que esse dado não é indicativo de uma
dificuldade momentânea ou conjuntural das contas previdenciárias?;
g) por que a propaganda oficial e da grande imprensa não
aponta os tetos das contribuições quando compara os tetos dos benefícios
previdenciários do regime geral e do regime próprio de previdência social (o
atual teto mensal de contribuição de 608 reais do regime geral não existe para
o servidor público mais antigo)? Por que não se divulga que o servidor público
inativo e seu pensionista pagam contribuição para a previdência e esse
recolhimento não existe no regime geral (para o trabalhador do setor privado)?;
h) por que a propaganda oficial e da grande imprensa não
informa que as últimas reformas previdenciárias promoveram a convergência dos
regimes geral (do trabalhador do setor privado) e próprio (do trabalhador do
setor público federal)? Afinal, o teto para pagamento de benefícios já é o
mesmo. As regras de cálculo da aposentadoria também são as mesmas. Os direitos
à paridade e integralidade dos servidores públicos deixaram de existir;
i) por que a União não criou os fundos para assegurar
recursos para o pagamento de proventos de aposentadorias e pensões dos setores
público e privado, conforme estabelecido na Emenda Constitucional n. 20, de
1998?;
j) por que não se divulga que o regime próprio dos
servidores públicos, em função das mudanças realizadas nas últimas reformas,
ingressou num quadro de equilíbrio, consoante aponta relatório de auditoria do
Tribunal de Contas da União (TCU), produzido no Processo TC-001.040/2017-0?;
k) por que não existem explicações claras e convincentes
para as idades mínimas de 65 e 62 anos? Por que as mais variadas realidades
regionais e laborais são “escondidas” em idades mínimas únicas?;
l) por que a propaganda oficial e da grande imprensa
insistem em apontar, erroneamente, os gastos com a Previdência Social como maiores
nas contas públicas e “esquecem” do pagamento de juros da trilionária dívida
pública (cerca de 511 bilhões de reais em 2016)?;
m) por que o debate acerca da situação financeira da
Previdência Social, e mesmo da Seguridade Social, está limitado aos aspectos
estritamente fiscais da economia e desconsidera aspectos monetários, cambiais e
creditícios até mais relevantes, como formação de reservas monetárias (atingiu
a marca de 380 bilhões de dólares ou 1,2 trilhão de reais), operações
compromissadas (ultrapassou, em dezembro de 2016, a impressionante cifra de 1
trilhão de reais), operações de swap cambial e serviço da dívida pública (cerca
de 511 bilhões de reais de juros em 2016)?;
n) por que a Constituição é desconsiderada quando aponta, em
seu artigo sétimo, que a melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos
e rurais deve ser efetivada com a consolidação e ampliação de direitos sociais,
e não, com a limitação ou eliminação desses?;
o) por que o governo insiste em tratar a Previdência Social
(e a Seguridade Social) de forma isolada? Por que não merecem a devida atenção
as profundas relações desse setor com os gravíssimos problemas de segurança
pública, a violência no trânsito, as condições de trabalho que resultam em
acidentes, invalidez e afastamentos por doença, a precariedade do sistema de
saúde, o sistema educacional (como fator de prevenção de ocorrências gravosas),
as crônicas deficiências em políticas públicas, notadamente no campo do
transporte coletivo, esporte, cultura e lazer e a efetiva adoção de políticas
econômicas promotoras do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e
do fim da marginalização social?
A ausência de respostas, respostas parciais ou nitidamente
equivocadas para esses e outros questionamentos relacionados com a Reforma da
Previdência demonstram o seu caráter elitista (contrários aos interesses
populares) e os escusos interesses socioeconômicos que pretende realizar.
Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
em especial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde a
melhoria contínua das condições de vida da imensa maioria da população decorra
da consolidação e da ampliação de direitos sociais, não são compatíveis com o
deletério movimento patrocinado por Temer, Meireles e Padilha em torno da atual
Reforma da Previdência.
Por Aldemario Araujo Castro
Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito,
procurador da Fazenda Nacional e professor da Universidade Católica de
Brasília.
Fonte: Diário do Poder