Metrópoles - 24/02/2018
Medidas do governo para equilíbrio das contas preveem
congelamento de salários, aumento de contribuição previdenciária e regulação do
teto
Após quase um ano e meio de divulgação e esforços vigorosos
do governo federal em prol da reforma da Previdência, inclusive com a
participação ativa do presidente Michel Temer (MDB-SP), a proposta morreu na
praia. O projeto, que deveria ser analisado pela Câmara dos Deputados neste
mês, foi suspenso por causa da intervenção federal na segurança pública do Rio
de Janeiro. Isso se deve ao fato de que, enquanto durar a medida, o Congresso
fica proibido de aprovar emendas à Constituição – caso da reformulação
previdenciária. Portanto, como a intervenção irá até 31 de dezembro, não há
chance de que a reforma ocorra ainda nesta gestão do governo Temer.
As alterações no regime de Previdência eram as principais
medidas propostas pelo Palácio do Planalto para diminuir o rombo no orçamento e
ajustar as contas públicas. Com o naufrágio do projeto, a fatura do equilíbrio
financeiro do país deve recair diretamente sobre duas parcelas da sociedade:
empresários e, principalmente, servidores públicos federais. Receosos,
representantes desses setores demonstram preocupação.
Anunciada na última segunda-feira (19/2), a nova pauta
econômica prioritária do governo federal possui 15 pontos e inclui três medidas
com impacto mais direto sobre esses dois setores: a reforma dos impostos PIS e
Cofins; a redução da desoneração da folha de pagamento; e a regulamentação do
teto remuneratório para servidores.
Limite constitucional
O grupo que mais deve ser atingido pelas medidas é o formado
por funcionários públicos federais. Uma das providências anunciadas pelo
governo nesta semana é a regulamentação do teto remuneratório para o
funcionalismo. Na prática, o Planalto quer que a soma dos salários e das
gratificações, benefícios e auxílios recebidos por servidores fique dentro do
limite estabelecido no país, de R$ 33.760. A proposta, em tramitação na Câmara
dos Deputados, valeria inclusive para magistrados, que hoje estão entre as
categorias com mais benesses.
Além disso, os servidores federais podem ser atingidos pelo
adiamento do reajuste salarial e pelo aumento da contribuição previdenciária,
de 11% para 14%. O Planalto já havia anunciado as providências no ano passado,
mas elas foram suspensas pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal
Federal (STF). O tema ainda será avaliado pelo plenário da Corte, e uma
resolução final só deve ocorrer após o julgamento da ação.
Para a diretora de Relações do Trabalho da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Graça Costa, as medidas devem “precarizar” o mercado de
trabalho, principalmente o serviço público. “O governo está atacando os
salários dos servidores, tanto do ponto de vista do congelamento quanto da
redução. O impacto na vida familiar e na sociedade é muito grande, porque não é
uma categoria pequena. São quase 3 milhões de trabalhadores”, afirma.
Segundo a sindicalista, no próximo dia 28 de fevereiro, será
lançada uma campanha de resistência a essas propostas do Planalto. Para Graça
Costa, “os projetos colocados não vão no sentido de tirar os direito de uma só
categoria, mas na direção de mudar o Estado”.
Reforma do PIS/Cofins
Outro ponto que tem causado preocupação, sobretudo no setor
industrial, é a reforma do PIS/Cofins. Ainda não foi apresentada ao Congresso
Nacional uma proposta sobre o tema, mas movimentações do governo indicam que a
reformulação deve atingir a indústria e unificar os dois tributos. Com isso,
existe o risco de aumento das alíquotas do imposto.
A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) é uma
das entidades que demonstram receio quanto à medida. Para a organização, “a
reforma de PIS/Cofins e a simplificação tributária são preocupantes e podem
gerar um aumento na alíquota para o setor de comércio e, principalmente, de
serviços. A entidade é contra a mudança sistemática da tributação, caso ela
seja obrigatória para todas as empresas e não optativa”, afirma a
Fecomercio-SP.
Ainda de acordo com a entidade, “algumas empresas poderão,
sim, se beneficiar da medida, mas, no caso das de lucro presumido, a tendência
é que elas sofram um grande aumento na carga tributária”. No ano passado, a
União aumentou a alíquota do PIS/Cofins sobre os combustíveis, ato que inflou a
arrecadação, mas pesou no bolso no consumidor.
Reoneração da folha de pagamento
A terceira proposta do governo Temer com impacto mais direto
sobre o brasileiro é a redução da desoneração da folha de pagamento. Em 2011,
após lei sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, a contribuição das
empresas para a Previdência dos funcionários foi alterada.
Antes, os patrões deveriam repassar ao INSS imposto de 20%
sobre a folha de pagamento. A mudança permitiu aos empresários, em vez de
contribuir sobre a folha, pagar alíquota entre 2,5% e 4,5% em cima dos
rendimentos brutos da empresa.
A medida reduziu gastos para gestores e possibilitou a
criação de novas vagas de emprego, mas, ao mesmo tempo, diminuiu a arrecadação
do governo com o tributo. A reoneração da folha de pagamento proposta pela
gestão Temer pretende reparar essas perdas e retomar a cobrança dos 20%.
Uma providência que não tem sido bem aceita no segmento
comercial, porque, na maioria dos casos, significa aumento da carga tributária
para os patrões. “A medida pode não ser favorável ao Brasil. A Fecomercio-SP
acredita que, com ela, podemos ter problemas fiscais, o que não é positivo em
um momento em que existe alto índice de desemprego”, afirma a entidade, em
nota.
O PL 8456, que trata do tema, já está em tramitação na
Câmara dos Deputados e poupa do fim da desoneração apenas três setores:
transporte coletivo de passageiros; construção civil e de obras de
infraestrutura; e comunicação (empresas jornalísticas e de radiodifusão). A
expectativa do governo é de que, caso o projeto seja aprovado, a arrecadação do
tributo em 2019 chegue a R$ 14,639 bilhões.
Governo x oposição
As 15 medidas apresentadas pelo governo para o equilíbrio do
orçamento serão analisadas pelo Congresso Nacional e causam divergências entre
governistas e oposição. Segundo o deputado federal Beto Mansur (PRB-SP), “a
situação é complicada com relação ao fechamento das contas públicas. Você
deixou de ter a reforma da Previdência, e alguma coisa tem que ser feita para diminuir
o impacto. Não tem como fazer omelete sem quebrar ovos”.
Ainda de acordo com o parlamentar, as proposições do
Planalto são alternativas para evitar aumento de impostos. “Temos lá uma série
de propostas que vamos precisar aprovar, para tentar ver se as contas fecham”,
finaliza.
Já o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) afirma que a “pauta
requentada” do governo tem “um caráter geral de ajuste fiscal contra a
população, com exclusivo interesse do mercado”. De acordo com o parlamentar, as
medidas são “arrumação de um governo perdido” após o naufrágio da reforma da
Previdência, com o objetivo de fornecer algum tipo de resposta a diversos
setores da economia. Alencar afirmou ainda que a prioridade do Executivo não é
necessariamente a mesma do Congresso.
Pauta do Executivo não é pauta do Legislativo. Nós não somos
despachantes do Temer"
Deputado Chico Alencar (PSol-RJ)
No entanto, o deputado acredita que algumas das propostas
devem sim ser analisadas e aprovadas. “A regulamentação do teto remuneratório,
por exemplo, acho muito importante. Evidentemente, qualquer ser humano pode
viver muito bem com R$ 33 mil”.