Correio Braziliense
- 14/02/2018
Um dos pontos mais mencionados por congressistas para votar
contra a reforma da Previdência são as alterações que equiparam servidores
públicos aos trabalhadores privados. Congresso volta ao tema após o carnaval
Após 15 meses de discussões e uma dezena de adiamentos, se
aproxima o prazo-limite imposto pelo governo para aprovar a reforma da
Previdência na Câmara: fim de fevereiro. O projeto — apresentado inicialmente
por um governo com base sólida — tinha apoio certo, mas, agora, em ano
eleitoral e depois de enfrentar duas denúncias oferecidas pelo Ministério
Público Federal (MPF), só os mais otimistas acreditam que os 308 votos serão
alcançados.
Um dos pontos mais polêmicos, usado por dezenas de
parlamentares para justificar o voto “não” à reforma, são as alterações que
equiparam servidores públicos aos trabalhadores privados. De 2016 para 2017, o
rombo do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) aumentou de R$ 77,2
bilhões para R$ 86,4 bilhões. O governo até admite fazer concessões e criar
regras de transição, mas só por emendas apresentadas em plenário e “se tiver
garantia de votos”, como chegou a dizer o ministro Carlos Marun.
Para o deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF), a equação
deveria ser invertida: o governo apresenta a proposta de mudança e, assim, os
votos podem ser garantidos. “A intransigência dos interlocutores está afastando
cada dia mais a reforma. Me preocupo com esse mantra criado em relação a
privilégios. Estamos falando de direitos. Os privilégios têm, sim, de ser
atacados, mas grande parte dos servidores não é privilegiada. Eles têm um
contrato assinado há décadas, e é preciso serenidade nessa negociação”, comenta
Rosso.
O deputado sugere uma reforma bem mais enxuta: idade mínima
e paridade daqui para frente, sem mexer com quem está no sistema. Entretanto,
analistas financeiros alertam que a solução não estanca o deficit da
Previdência e seria “queimar oportunidade” à toa, já que o próximo governo
teria de fazer outra.
Além de terem se irritado com a propaganda do governo de
combate aos privilégios dos servidores, entidades que os representam alegam que
o relator da reforma, Arthur Maia (PPS-BA), estaria fazendo “birra”. Maia não
incluiu nenhuma das 10 sugestões apresentadas pelo Fórum Nacional Permanente
das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) no novo parecer.
O presidente do fórum, Rudinei Marques, reconhece que é
preciso um ajuste no sistema, mas defende “uma reforma justa”. “Não posso
aceitar sentar-me à mesa com quem faz uma propaganda agressiva, dizendo que os
servidores são culpados pela crise econômica”, reclama. Na visão de
interlocutores do Planalto, a propaganda ajudou a população a aceitar o tema e,
por isso, as cessões feitas aos servidores precisam ser moderadas para não
contrariar o discurso.
Governo não desistiu
O período pós-carnaval será de aferição da temperatura. O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu iniciar a discussão em
plenário a partir da próxima terça-feira (20/2), mas deixou claro que, se não
houver o apoio necessário, engavetará a reforma até um momento mais apropriado.
Depois de uma série de recuos e quatro textos apresentados,
o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, garante que a proposta terá
mais que os 308 votos no dia da votação, e integrantes da equipe econômica se
limitam a dizer um tímido “agora, vai”. Entretanto, o clima no Congresso não é
de otimismo.
“É pior para o governo colocar e perder do que não colocar.
Se não votar, é possível manter o tema vivo e retomá-lo depois das eleições,
mas, se perder, já era, o governo enfraquece de vez”, acredita um parlamentar
da base governista que prefere não se identificar.
Base pede mais mudanças
Outro grande problema é que grande parte da base aliada só
aceita negociar se o governo estiver disposto a ceder ainda mais. As
concessões, até agora, já diminuíram a economia prevista para os próximos 10
anos em R$ 267,2 bilhões — caiu de R$ 854,9 bilhões para R$ 587,7 bilhões.
Valor semelhante ao deficit do sistema previdenciário registrado em 2017: R$
268,8 bilhões, o maior rombo da série histórica, segundo dados da Secretaria de
Previdência do Ministério da Fazenda. Integrantes da equipe econômica admitem
que apresentaram uma proposta inicial mais radical, justamente para dar margem
de negociação, mas dizem que o limite já foi ultrapassado.
O economista e doutor em ciência política José
Matias-Pereira acredita que o governo “perdeu o timing” de aprovação. Ele
lembra que todas as reformas da Previdência feitas no Brasil foram polêmicas,
longas e de difícil negociação, porque sempre tiveram como objetivo o ajuste
das contas e, consequentemente, mexem diretamente na vida das pessoas. “O ideal
é que elas sejam feitas por presidentes em primeiro ano de mandato e que a
bandeira venha desde as eleições. Assim, o governante tem o respaldo do voto, coisa
que o Temer não teve”, comenta. “O que faz o presidente enfrentar esse desgaste
é que ele sabe que precisa do mercado financeiro ao lado dele”, acrescenta.
Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB),
acredita que, se o governo conseguir aprovar só a idade mínima — considerada
por ele a “espinha dorsal” da reforma — já será um grande avanço. E a mudança
poderia até dar a força que Temer está buscando para se apresentar à reeleição
— opinião corroborada por aliados do presidente. “O maior problema é que se
gastou capital político para superar as denúncias do MPF (Ministério Público
Federal). É o perfil de um governo que sabe que precisa insistir com a reforma,
porque, se conseguir, a economia vai melhorar e ganhará espaço”, diz.
Por Alessandra Azevedo e Natália Lambert