BSPF - 05/06/2018
Prazo para a AGU negociar o fim auxílio-moradia recebido por
juízes e procuradores está no fim. Solução deve passar pela incorporação do
valor, o que vai elevar os gastos de todos os poderes. Outros penduricalhos
tiveram reajuste de 3% ontem
O aumento pleiteado pelos juízes na Câmara de Conciliação da
Advocacia-Geral da União (AGU) pode ter um impacto de sete dígitos no orçamento
do Poder Judiciário, cuja proposta está prestes a ser enviada para 2019 ao
Congresso. A questão envolve o pagamento do auxílio-moradia, cerca de R$ 4,5
mensais, dos quais magistrados e procuradores só abrem mão se receberem
salários maiores. O remanejamento dos subsídios faz crescer também os problemas
fiscais do país, que já sofre com gastos inesperados após a greve dos
caminhoneiros, em meio ao rombo acumulado pela queda da arrecadação tributária
em consequência da recessão de 2015 e 2016.
No mês passado, a presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministra Cármen Lúcia, pediu às associações de magistrados que
resolvessem a questão até junho. É o limite para que a Justiça redija e
encaminhe uma proposta orçamentária para o ano que vem. O fim do
auxílio-moradia é discutido sob sigilo na Câmara de Conciliação da AGU. Desde
abril, juízes, procuradores, representantes dos estados e do Ministério do
Planejamento foram recebidos separadamente pelo grupo em três ocasiões. Apenas
o primeiro encontro contou com todos os envolvidos.
Enquanto os juízes continuam a pleitear o aumento de
salário, comemoram um benefício concedido ontem. Ganharam reajuste de 3% no
auxílio alimentação e no auxílio pré-escola, segundo determinação publicada no
Diário Oficial da União. A portaria foi assinada pela presidente do STF, ministra
Cármen Lúcia, e pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luiz Fux.
O auxílio para alimentação sobe para R$ 910,08 - pouco menos que o salário
mínimo, atualmente fixado em R$ 937 - e o pré-escolar fica em R$ 712,62.
Mesmo com o segredo em torno da negociação do
auxílio-moradia, representantes da categoria afirmam que a conciliação traz
como ideia principal uma reorganização do subsídio (que pode chegar a R$ 33,7
mil) e a retirada do auxílio-moradia. A assessoria de imprensa da AGU não antecipou
a decisão, mas afirmou que, como não existe lei que institua o auxílio-moradia,
a instituição é contra seu pagamento. "É uma resolução dos tribunais
garantida por liminar do ministro do STF Luiz Fux. A posição da AGU é a de que
o benefício deve acabar se não houver lei no Congresso tratando sobre o
tema".
Sem imposto
O auxílio-moradia tem caráter indenizatório, sem desconto de
Imposto de Renda. O valor varia de estado para estado. Segundo o último
relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encomendado pela ministra
Cármen Lúcia, há 17.338 juízes no Brasil e todos recebem o benefício, cujo
valor varia entre R$ 4 mil e R$ 5 mil. Os aposentados - cerca de 3 mil pessoas,
de acordo com a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) - e os pensionistas,
não ganham o adicional.
O aumento de salário, entretanto, causaria um efeito cascata
na instituição. "Se você contar que o salário do Judiciário regula todos
os salários dos procuradores da República e dos juízes, o rombo pode ser muito
grande. Como não existe imposto, o rendimento líquido teria de ser compensado
em 20%. Assim, o impacto fica ainda mais expressivo", explicou o professor
Geraldo Biazoto, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
Ex-coordenador de política fiscal da Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda, Biazoto lembra que a eventual aprovação de
um aumento nos salários dos juízes é a "validação de um reajuste implícito
instituído via auxílio-moradia". Ao aprovar essa negociação, abre-se um
precedente para que outras categorias que também são abastecidas por penduricalhos
reivindiquem a oficialização de um reajuste. "Teremos uma fila com
militares, com servidores da Receita Federal e da Polícia Federal, do
Itamaraty. Os aumentos tornarão a situação insustentável", detalhou.
O aumento do Judiciário repercute nas demais categorias do
serviço público, ainda que não de forma automática. Os vencimentos dos
ministros são usados como referência para o teto de outras categorias. "As
mudanças podem ativar uma tensão social abastecida pela crise dos
caminhoneiros. Na hora que você pega um segmento já privilegiado e dá um prêmio
desse tamanho, é claro que a sociedade vai reagir", completou Biazoto.
Desde janeiro, as 27 associações estaduais de magistrados e
outras do Ministério Público pressionam o Supremo na questão dos salários e do
auxílios-moradia. Ano passado, tanto a ministra Cármen Lúcia quanto a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, negaram os reajustes. Ambas
afirmaram que "não era o momento". Tanto os magistrados quanto os
representantes do Ministério Público recebem, além dos salários, o
auxílio-moradia. Além disso, têm benefícios como carro com motorista,
gratificações, como a de acúmulo de jurisdição, e indenizações.
Levantamento do CNJ mostra que quem mais gasta com
auxílio-moradia é a Justiça do Trabalho. Apenas neste ano, ela deve consumir R$
197,7 milhões exclusivamente com o pagamento deste benefício. "A Justiça
do Trabalho é tão cara e tão lenta em sua prestação de serviços à sociedade
que, caso ela fosse destituída e o Estado indenizasse seus requerentes, seria
mais rápido e mais barato", acredita a ministra aposentada Eliana Calmon,
ex-corregedora do Conselho Nacional.
O auxílio-moradia dos magistrados é pago desde 2014 a todos
os juízes, inclusive àqueles com imóveis nas cidades onde trabalham. A decisão
foi determinada com base em liminar do ministro Luiz Fux.
Por Bernardo Bittar
Fonte: Correio Braziliense