Metrópoles - 07/06/2018
A ausência de regras padronizadas que definam direitos e
deveres da Administração Pública, das bancas examinadoras e dos candidatos tem
provocado a judicialização dos concursos públicos. Para garantir a posse tendo
sido aprovado dentro do número de vagas, por exemplo, o candidato se vale da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de outros entendimentos
do Supremo Tribunal Federal (STF) e só pode fazer isso por meio de processo
judicial. Com uma legislação única, seria muito mais simples garantir a
prerrogativa. Esse não é o único caso no qual a carência da Lei Geral dos
Concursos tem se refletido em prejuízo.
O Projeto de Lei nº 252/2003 regulamenta a determinação
constitucional de seleção de servidores, mas está parado na Câmara dos
Deputados desde abril de 2014. A proposta, que tramita em regime de prioridade,
está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando parecer do
relator, deputado federal Paes Landim (PTB-PI), mas não há prazo para avançar.
O primeiro documento estruturado sobre a Lei Geral dos
Concursos, elaborado pelo então senador Jorge Bornhausen (PSD-SC), em 2000, e
enviado três anos depois para o Senado Federal, completou a maior idade sem se
transformar em lei. Enquanto isso, tem acumulado outros projetos de lei que são
apensados ao texto original. Atualmente, 38 propostas sobre os mais diversos
pontos tramitam em conjunto ao projeto de Bornhausen, à espera de análise.
A proposta que garantiu o apelido de Lei Geral do Concurso
ao conjunto de proposituras legais foi o PLS nº 74/2010, do então senador
Marconi Perillo (PSDB-GO), hoje governador de Goiás. Após três anos no Senado,
a pauta foi encaminhada para ser apensada ao PLC nº 252, de 2003. Apesar do
grande respaldo midiático e de levantar uma bandeira oportuna para o momento de
crescimento dos concursos públicos, pouco adiantou. A pauta perdeu a força e
nunca mais avançou.
“Pegadinhas” e outras distorções
Na percepção do advogado Rudi Cassel, especializado em
atender concurseiros, a existência de uma lei evitaria problemas que o bom
senso deveria resolver. Ele citou como exemplo a existência de questões com
duplicidade de entendimento e de respostas, além da vedação do uso de doutrinas
de entendimento minoritário ou ultrapassado – atitudes que, na visão dele, são
adotadas para confundir o candidato e não selecioná-lo adequadamente. Esses são
alguns dos pontos contemplados pelo PL que dormita no Congresso.
Outros pontos considerados essenciais para garantir a
moralidade e demais princípios constitucionais em seleções públicas, é a
proibição de concursos com menos de 5% do total de cargos ou exclusivamente
para cadastro de reserva – o que ajuda a burlar o compromisso de posse dos
aprovados –; a limitação de até 3% do valor do salário como cobrança na
inscrição e o prazo mínimo de 90 dias entre o edital de abertura e as primeiras
provas.
Também seria primordial obrigar as bancas examinadoras
argumentarem objetivamente a negativa dos recursos apresentados pelos
candidatos. Os casos que não são regulamentados e hoje possuem definições
livres, a critério do órgão que solicita os novos servidores e das empresas
organizadoras dos certames.
As distorções e tentativas de fraudes são vigiadas de perto
pela Organização Não Governamental Prova Limpa há mais de 10 anos. Para o
coordenador-geral da ONG, Herbert Almeida, a aprovação da Lei Geral dos
Concursos irá trazer mais transparência aos processos seletivos e nortear
legislações locais (estaduais, distrital e municipais).
Ele ressaltou que, para a norma ser efetiva, será necessário
aguardar a tramitação e a aprovação do Projeto de Emenda à Constituição nº 75,
de 2010, que permitirá a todos os níveis de poder criar legislações
específicas, mas sem desrespeitar as regras gerais definidas pela União. O
caminho da PEC também está bloqueado. Desde julho de 2016, a documentação está
pronta para deliberação do plenário do Senado, mas não há prazo para ser
analisada.
Corrida por fora
Enquanto o impasse permanece, os estados de Goiás, Alagoas,
Pernambuco, São Paulo, Amazonas e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal e
do município do Rio de Janeiro, editaram leis próprias para legalizar a
realização de concursos públicos. A pauta tem sido discutida também na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Em âmbito federal, o Executivo segue as normativas do
Decreto nº 6.944 desde 2009 e os concursos da magistratura atendem às
definições da Resolução nº 75. Já as seleções dos titulares de cartórios têm
por base a Resolução nº 81. Ambas são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
que padronizou os certames.
Aos candidatos que não têm os direitos respaldados
legalmente, a orientação dos especialistas é buscar o Ministério Público para
denunciar possíveis fraudes e distorções. Em casos individuais, o caminho é
protocolar processos administrativos – diretamente junto às bancas examinadoras
– e judiciais.
Fonte: Letícia Nobre