Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico
- 11/05/2015
São Paulo - Num
episódio do seriado americano "House of Cards", um velho juiz da
Suprema Corte, portador de Alzheimer, informa ao presidente da República que
pretende se aposentar.
Como ainda não houvesse articulado sua substituição, o presidente convence o juiz a permanecer no cargo. Muitos votos do juiz gagá são escritos por assessores até que o presidente se decida a oferecer a vaga para uma rival do seu partido na tentativa de desviá-la de seu caminho. Quando isso acontece é o juiz que, ao concluir ser possível manter o cargo sem exercê-lo, não quer mais se aposentar.
Como ainda não houvesse articulado sua substituição, o presidente convence o juiz a permanecer no cargo. Muitos votos do juiz gagá são escritos por assessores até que o presidente se decida a oferecer a vaga para uma rival do seu partido na tentativa de desviá-la de seu caminho. Quando isso acontece é o juiz que, ao concluir ser possível manter o cargo sem exercê-lo, não quer mais se aposentar.
O episódio é lembrado pelo consultor legislativo Luiz
Alberto dos Santos em artigo sobre o impacto da PEC da Bengala no serviço
público. A experiência americana de vitaliciedade dos ministros da Suprema
Corte foi a mais citada pelos defensores da proposta promulgada na semana
passada pelo Congresso em contraposição à escassez de referências ao mandato
fixo adotado por Alemanha, França e Portugal.
A abundante referência aos Estados Unidos despreza a
distinção do modelo adotado no Brasil. Num país, argumenta Santos, vige uma
Constituição enxuta e longeva, em que os mandatos vitalícios a vacinam contra
mudanças frequentes de interpretação. No outro, o oitavo e extensivo texto
desde a Independência, já recebeu 88 emendas de um Congresso que ainda é a
principal fonte de adequação do ordenamento constitucional às mudanças na
sociedade.
No artigo, o autor retoma as origens da proposta, feita em
1995, pelo então senador Pedro Simon, sensibilizado pela aposentadoria do então
ministro Paulo Brossard a um mês da data em que seria eleito presidente do
Supremo. A proposta iria a voto no plenário do Senado em 2001 e, a despeito da
resistência de PT, PSDB e PMDB, seria barrada por um único voto. Quatorze anos
depois, o alegado casuísmo deixou de ter poder de veto.
Aprovada a PEC, agora fica por conta de legislação
complementar a extensão do novo limite de idade para os demais Servidores
Públicos. Uma proposta nesse sentido já foi apresentada pelo senador José Serra
(PSDB-SP).
No texto, que estende o novo limite de aposentadoria para os
Servidores Públicos de toda a Federação, Serra argumenta que o adiamento na
aposentadoria dos servidores poderia trazer uma economia de R$ 800 milhões a R$
1,4 bilhão ao longo dos próximos 55 anos. A conta leva em consideração apenas
os servidores da União. Nas contas de Santos, a economia anual para o serviço
público federal, levando-se em consideração o cargo de auditor fiscal
(remuneração inicial de R$ 15,8 mil mensais), é de R$ 133 milhões.
A proposta do senador tucano, que tem recebido célere
acolhida do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não especifica que
tratamento seria dado, por exemplo, às carreiras cujo exercício dependem do
vigor físico do servidor, como as de policial.
A proposta pode beneficiar servidores que entraram sob o
novo regime da Previdência Complementar. Com mais tempo de contribuição, podem
vir a melhorar o valor do seu benefício. Santos prevê, no entanto, que a
proposta venha a enfrentar forte resistência de carreiras de Estado como a
diplomacia. Um servidor ingressa na carreira com a perspectiva de chegar a
embaixador. Na medida em que aqueles que chegam ao topo podem lá permanecer por
mais tempo, ficam mais limitadas as perspectivas de ascensão.
Reproduzem-se, assim, em outras carreiras do serviço
público, as chances mais reduzidas de se chegar ao topo da carreira,
perspectiva que tornou a PEC da Bengala alvo da reclamação das associações de
magistrados e introduziu um viés de baixa no debate da meritocracia.