Revista Consultor Jurídico -
08/02/2012
A litigância mal-intencionada prolifera no Brasil porque não
é levada a sério. Ninguém se peja de multiplicar chicanas para postergar
decisões judiciais ou constranger a outra parte num processo.
Eis o que sente na carne, agora, o serviço jornalístico pela
internet Congresso em Foco. Uma série de ações movidas por indissimulável má-fé
busca cercear seu esforço de dar transparência ao que se passa nas entranhas do
Legislativo.
Nada menos do que 43 ações individuais foram apresentadas
por servidores do Senado contra o portal em Juizados de pequenas causas. Pediam
indenização de R$ 21,8 mil para cada funcionário litigante, sob a desculpa de
que sua privacidade fora invadida pela publicação da lista de seus proventos.
Na realidade, a página Congresso em Foco deu divulgação, em
agosto, a uma relação preparada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) com 464
nomes de funcionários que recebiam salários acima do teto constitucional — R$
26,7 mil. A minoria que abriu os processos segue orientação do Sindicato dos
Servidores do Poder Legislativo Federal (Sindilegis) e do TCU.
As 43 ações são idênticas e foram propostas por uma só
advogada, mas distribuídas para vários juízes. Os sete jornalistas do serviço
tiveram de desdobrar-se para comparecer às 27 audiências realizadas desde 31 de
janeiro.
É evidente a intenção de criar dificuldades práticas e
financeiras para o portal. O Sindilegis e seus liderados reeditam a tática
maliciosa empregada pela Igreja Universal do Reino de Deus — sem sucesso —
contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato, autora de reportagem que
desagradou à sua cúpula.
Seis das 43 ações contra o Congresso em Foco foram
encerradas, por ausência dos queixosos ou porque o juiz decidiu pela
improcedência. É pouco provável que outros magistrados deem seguimento a uma
manipulação tão impudente.
Não faz sentido o argumento dos servidores públicos de que a
publicação — releve-se a redundância vocabular, por eloquente — de seus
salários atente contra a privacidade. Mais: é óbvio o interesse público de dar
a conhecer que recebem valores acima do teto legal.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que divulgar
relações de vencimentos de servidores, como fez a prefeitura de São Paulo, não
apenas é legal como obedece ao princípio constitucional da publicidade de atos
oficiais.
São fúteis as ações contra ele, como as dos funcionários do
Senado. Cumpre aos juízes rechaçá-las.
[Editorial da Folha de S. Paulo publicado nesta quarta-feira
(8/2)]