Acreditar que a burocracia efetiva seja melhor do que a terceirizada só porque tem em suas fileiras aprovados em algum exame é bobagem, ilusão barata
O maniqueísmo que move o Brasil colocou em lados opostos servidores que passaram pela peneira do concurso público e aqueles que por contrato ou indicação política servem ao Estado da mesma forma. Nada mais improdutivo. A “química” que tanto deveria acontecer entre os dois tipos de profissionais insiste em não vir. Há um clima de desconfiança e rivalidade tão destrutivo quanto crônico dentro das repartições. E o pior: quem tem a caneta nas mãos nunca moveu uma palha para mudar isso.
Infelizmente, a palavra terceirização ganhou significado pra lá de pejorativo. Em se tratando de setor público, virou quase um palavrão. Muita gente — por má-fé ou desconhecimento — associa a mão de obra avulsa ao que de pior existe no mundo do trabalho. O terceirizado é visto quase sempre como o aproveitador de plantão, o amigo do rei que está ali só para se dar bem, alguém que ocupa o lugar de outro alguém supostamente mais capaz.
Outro dia, por e-mail, uma terceirizada reclamou que os colegas concursados são preguiçosos e só pensam no contracheque no fim do mês. Na banca de jornais da Esplanada dos Ministérios, um grupo se queixava do comportamento antiprofissional de servidores efetivos de um órgão qualquer do Executivo. Como se vê, quando a intenção é desqualificar, há munição que não acaba mais. Pronta para ser descarregada a qualquer instante. De ponta a ponta da mesa.
Passos Não faz muito tempo, o governo federal regularizou o processo simplificado de contratação temporária. Houve, à época, quem apontasse nisso motivações obscuras — essa é uma onda que não merece ser surfada. O fato é que no ano passado foi autorizado o ingresso de 5.207 pessoas por meio desse sistema. Em 2009, até 31 de julho, outras 8.244 permissões foram oficializadas. A maior parte da turma atua na linha de frente do atendimento ao cidadão e no suporte de políticas públicas absolutamente essenciais ao Brasil. O Tribunal de Contas da União (TCU) fiscaliza, os ministérios pagam salários e a vida obedece seu curso normal.
A seguir, vieram os planos de substituição de terceirizados admitidos irregularmente por sucessivos governos. Os números mais recentes sobre a troca de guarda nos ministérios mostram que a meta estabelecida pelos órgãos de controle está muito próxima de ser alcançada: dos 12.982 postos ocupados por funcionários que trabalham na máquina e que estão fora dos padrões exigidos pela lei (identificados pelo próprio governo), 7.535 foram regularizados, o que corresponde a 58% do total. O alvo em 2009 é trocar 60%.
Ilusão barata Não se trata de classificar ações como essas de “boas” ou “ruins”. Elas são necessárias. E ponto! Aparar as arestas e acabar com os excessos são atitudes mais do que louváveis. São obrigações impostas pelos cidadãos hoje em dia. E, diga-se de passagem, já não era sem tempo. Em verdade, quem manda demorou muito a agir.
Acontece que, pela milésima vez, tentam colorir gestos republicanos com tintas partidárias. Os sindicatos adoram fazer isso. Os patrulheiros de plantão, também. Ambos não percebem que esse é um erro estratégico tão elementar como imaginar que o Estado sobreviveria sem apoiar-se nas pessoas que por qualquer motivo não se submeteram ao clássico processo de contratação via concurso público.
Acreditar que a burocracia efetiva seja melhor do que a terceirizada só porque tem em suas fileiras aprovados em algum exame é bobagem, ilusão barata. Burocracia “puro sangue” não é garantia de eficiência, honestidade ou comprometimento com o trabalho. Nem aqui nem na China — muito menos lá, aliás. Ao passo que o terceirizado também não pode ser crucificado a todo momento só porque não fez prova, não esquentou os quadris em um banco de cursinho, não atravessou o Vale das Cinzas.
LUCIANO PIRES É REPÓRTER DE ECONOMIA E BLOGUEIRO
Bloco dos “sem-concurso”
Ministérios onde foram identificados terceirizados em situação irregular: Agricultura Ciência e Tecnologia Desenvolvimento Agrário Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Desenvolvimento Social Educação Fazenda Cultura Justiça Meio Ambiente Planejamento Previdência Social Saúde Trabalho e Emprego Turismo Presidência da República
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