Autor(es): Lu Aiko Otta / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo |
O Estado de S. Paulo - 17/05/2010 |
Os salários elevados no governo federal não são garantia de melhora na qualidade dos serviços prestados, alerta o professor Vladimir Ponczek, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. "Um salário melhor na entrada de fato atrai gente melhor. O problema é que temos no Brasil o que se chama isonomia e estabilidade", disse. "Se o funcionário já não é tão bom ou se acomoda, teremos de conviver com ele pelo resto da vida."
A literatura econômica também mostra, segundo Ponczek, que salários mais altos não necessariamente deixam os trabalhadores mais motivados. Para ele, um bom sistema de gestão de pessoal precisaria ter estímulos para o trabalhador melhorar o desempenho ao longo de sua carreira. Isso é particularmente difícil no serviço público porque o funcionário não pode ser demitido, nem ter seu salário reduzido, se tiver um desempenho fraco.
Até mesmo funcionários celetistas, sem estabilidade, demitidos no governo de Fernando Collor (1990-1992), têm conseguido recuperar seus empregos públicos graças a uma legislação específica aprovada pelo Congresso Nacional. São os chamados "anistiados".
De janeiro de 2003 a dezembro de 2008, dado mais recente disponível, a quantidade de funcionários da União federal aumentou em 78 mil. As despesas com folha de salário dobraram na era Lula, saltando de R$ 75 bilhões em 2003 para R$ 151 bilhões em 2009.
Boa parte do inchaço da folha ocorreu a partir de 2008, quando foram editadas três medidas provisórias (MPs), já convertidas em lei, que reajustaram fortemente os salários de algumas carreiras. Só este ano, a despesa adicional gerada por essas MPs é de R$ 29 bilhões.
A folha salarial é uma despesa "engessada", que não pode ser cortada. Dessa forma, é um empecilho a que o governo promova cortes mais profundos em seus gastos em momentos como o atual. Na quinta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que cortará R$ 10 bilhões em dispêndios ainda este ano. O governo quer, ao conter gastos, ajudar o Banco Central (BC) a segurar a inflação sem elevar fortemente as taxas de juros.
Acima do mercado. Além de buscar maior uniformidade com os demais salários do serviço público, algumas greves têm como principal reivindicação a reestruturação das carreiras. É o caso do Inep. Segundo o pesquisador Alessandro Borges, a progressão da carreira é tão demorada que um servidor se aposenta sem haver chegado ao topo. Ele disse que 40% das pessoas que entraram no Inep no último concurso já pediram demissão.
De acordo com o levantamento entregue a Lula, um delegado da Polícia Federal no topo da carreira ganha R$ 19.699,82 por mês, graças a um reajuste de 112% concedido entre 2008 e 2010. Esse é o grupo mais bem remunerado do Executivo federal. O presidente da República ganha R$ 11.420,00, um deputado ou senador ganha R$ 16.512,00 e um ministro, R$ 10.478,00.
Um procurador do BC recebe até R$ 18.260,00 e teve aumento de 162% nos últimos dois anos. Um analista da área ambiental, que está em greve, tem salário de até R$ 8.766,99, graças ao reajuste de 72% de 2008 para cá. Um servidor do Incra, que poderá iniciar paralisações na semana que vem, recebe R$ 6.878,31 no topo da carreira e o reajuste recebido nos últimos dois anos foi de 72%.
Os salários no serviço federal são, em grande parte, superiores aos pagos pelo mercado. Um funcionário de nível básico, com formação de primeiro grau, ganha R$ 1.813,78. Um advogado tem salário inicial de R$ 14.549,53.
PARA LEMBRAR
Greves no setor público são mais longas
Greves de servidores públicos costumam ser mais longas e afetar a vida de mais empresas e pessoas que as paralisações nas indústrias e serviços privados. As greves do setor público duram mais porque nelas é desprezível o risco de prejuízo dos grevistas. Escorados na estabilidade e na tradição de não ter descontados os dias parados, os funcionários públicos não têm muito o que perder cruzando os braços.
Em 2008, aconteceram 411 greves em todo o Brasil, segundo o levantamento mais recente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Na esfera pública, houve 184 greves, enquanto na área privada foram 227. No entanto, os servidores públicos responderam por 70,8% das horas de trabalho perdidas no ano: 17,4 mil horas, ante 6,9 mil horas no setor privado.
Mas nem por isso saíram-se melhor nas negociações. A taxa de sucesso dos funcionários públicos ficou em 62%. No setor privado, o índice foi de 80%.