UnB Agência - 18/11/2010
Tribunal de Contas, Ministério do Planejamento e Advocacia-Geral da União tentaram retirar 26,05% dos salários. Sindicatos apontam parceria com Reitoria como determinante para manter a parcela
Em 2010, a Universidade de Brasília enfrentou sua mais longa greve: os funcionários técnico-administrativos ficaram 188 dias de braços cruzados. A mais longa e a mais difícil: o objetivo não era aumentar os salários, mas impedir que eles fossem cortados. A razão da luta sindical ficou conhecida pela sua sigla – URP, ou Unidade de Referência de Preços.
Originada por uma ação judicial de 1989 que recompunha perdas salariais acarretadas pelo Plano Verão, a URP representa hoje 26,05% da remuneração dos mais de 6 mil servidores da UnB.
Os professores iniciaram uma greve em 9 de março deste ano, segundo dia do semestre letivo. Mas a ameaça de corte da URP surgiu em setembro de 2009, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que apenas os professores que ingressaram na universidade até 2005 deveriam receber a parcela, e, ainda assim, incidindo apenas sobre o vencimento básico. O corte só não aconteceu porque a Reitoria entrou com uma medida de efeito suspensivo, resguardando o direito de defesa dos servidores.
No mês seguinte, foi a vez do Ministério do Planejamento criar obstáculos técnicos para o pagamento da parcela. O sistema em que os valores eram cadastrados teve seu acesso bloqueado. O reitor José Geraldo de Sousa Junior foi ao ministro Paulo Bernardo e ao STFpara explicar que o bloqueio impedia o cumprimento de medidas judicias que garantiam o pagamento.
Enquanto isso, o clima político na Universidade fervia. Houve protestos nos quatro campi, com a participação de professores, alunos e funcionários. Os professores fizeram uma minigreve de três dias, e a diretoria da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB) publicou umanota pedindo a prisão do reitor caso os salários não fossem pagos na íntegra.
Em novembro, os três segmentos entraram em greve, que durou até o início de dezembro, quando o Ministério do Planejamento concordou em manter a URP até que sua assessoria jurídica fizesse uma análise definitiva do caso. O Ministério voltou à carga em fevereiro, determinando uma revisão radical da forma como a URP vinha sendo paga – apenas os filiados aos sindicatos teriam direito à parcela, calculada sobre o vencimento básico. O reitor, então, convocou os sindicatos e disse que era hora de enfrentar a questão na Justiça, e manifestou apoio à luta pela URP. "Mantenho a minha disposição para continuar lutando por este direito, não só no âmbito judicial, mas também no administrativo e no político", afirmou, em entrevista à UnB Agência.
À greve dos professores decretada no dia 9 de março de 2010, somaram-se os funcionários técnicos, que iniciaram paralisação no dia 16. Os grevistas fizeram manifestações no Ministério do Planejamento e no Centro Cultural Banco do Brasil, onde o presidente Lula dava expediente durante a reforma do Palácio do Planalto. Em abril, o próprio Lula mandou comunicar que deteminava o pagamento integral aos professores.
Foi a vez da Advocacia-Geral da União entrar no imbróglio, mandando pagar a URP aos professores, mas cortando dos técnicos. Apesar dos protestos, que bloquearam os acessos à Reitoria, ao Minhocão e ao Sistema de Acompanhamento da Graduação (Sigra), o Tribunal Regional Federal confirmou o corte em um julgamento polêmico.
Em maio, enquanto a AGU preparava o pedido de ilegalidade da greve, os professores decidiram voltar ao trabalho, uma vez que sua URP estava garantida. O placar foi apertadíssimo: 268 a 261.
Sem Bandejão nem Biblioteca, os alunos voltaram às aulas. O Sindicato dos Trabalhadores da Fundação UnB (Sintfub) decidiu entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo decisão semelhante à que garantia a URP dos professores. Mais piquetes e serviços fechados atrapalharam o funcionamento da universidade por mais quatro meses, até que a ministra Cármen Lúcia, do STF, decidiu que os técnicos também tinham direito a receber os 26,05%.
Dois meses após o fim da luta, ficou a sensação de vitória, ainda que momentânea. "A vitória da liminar foi uma parte da luta, falta o julgamento do mérito no STF, mas o saldo é positivo", afirma Antônio Guedes, diretor do Sintfub. "Muitas vezes houve pressão do movimento para que o reitor fizesse a interlocução com os órgãos de governo, e ele sempre se dispôs a isso, porque entendia que a URP era importante". Gilca Starling, secretária de Recursos Humanos da UnB, destaca que a administração nunca agiu para coibir o movimento. "A greve sempre foi reconhecida como legítima".
O professor Flávio Botelho, que presidiu a ADUnB durante a greve, diz que foi um movimento complicado porque era defensivo, tinha que combater ataques contra o salário. Ele reconhece os atritos entre o movimento sindical e a Reitoria, mas ressalta que a vitória da URP teve a participação de todos. "Toda relação entre administração e seus sindicatos tem conflitos. Mas eu acho que isso foi administrado da melhor forma possível, com a colaboração e boa vontade do reitor José Geraldo", afirma. "Construímos uma luta que teve a participação de todos: professores, técnicos, estudantes e Reitoria".
Gilca acredita que as relações entre Reitoria e sindicatos melhoraram após a greve. "Hoje nossas relações são respeitosas. Cada um cumpre seu papel", diz. "Essa luta conjunta nos deu credibilidade junto aos órgãos de controle, e aos ministérios da Educação e do Planejamento, além da população. Isso foi construído nesse processo".