FONACATE - 14/09/2011
"É importante disciplinar essa matéria para que o
Estado não tripudie sobre o cidadão", afirma Ministro Marco Aurélio Mello.
Todo brasileiro já sentiu na pele os efeitos de uma greve. O
que pouca gente sabe é que não há regra alguma para impor limites à
possibilidade de servidores públicos promoverem paralisações. Por mais justas e
legítimas que sejam as reivindicações de uma categoria, as consequências de uma
greve de profissionais como professores, médicos e até mesmo agentes
funerários, como ocorreu recentemente em São Paulo, são sempre as piores
possíveis para a população.
A discussão sobre o direito de greve no serviço público se
arrasta há 23 anos. O impasse surgiu em 1988, quando foi incluído na
Constituição um artigo assegurando essa prerrogativa ao trabalhador. Mas até
hoje a questão não foi regulamentada. Cabe ao Congresso Nacional aprovar uma
lei com normas concretas. No entanto, o projeto que trata da questão está
empacado na Câmara dos Deputados há uma década por falta de acordo.
A demora irritou o Supremo Tribunal Federal - STF. Há quatro
anos, os ministros deram um recado à omissão do Congresso e disseram que,
enquanto não for aprovada lei com limites ao direito de greve no funcionalismo
público, deve-se adotar as regras do setor privado. De lá para cá, nada mudou.
“Precisamos que haja vontade política para dar segurança jurídica e
legitimidade à ação dos trabalhadores”, comenta o ministro do STF Marco Aurélio
Mello. “Os sindicatos têm a possibilidade de negociação de maneira implícita,
mas os governantes ainda se encastelam e não querem negociar, valendo-se da
força. É importante disciplinar essa matéria para que o Estado não tripudie
sobre o cidadão”.
Agora o impasse parece estar perto do fim. O governo deve
enviar ao Congresso, até o fim do ano, novo projeto de lei dando aos servidores
públicos o direito de cruzar os braços sob regras específicas. Ministério
Público, sindicalistas e Executivo, sob coordenação do Ministério do
Planejamento, tentam chegar a um consenso que concilie o direito de negociação,
assegurado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a liberação do
exercício de greve. Espera-se que, quando a proposta chegar à Câmara, não demore
mais uma década para ser aprovada. Pois, enquanto isso não acontece, a
sociedade paga o pato.
Regra internacional - Em 1978, a OIT elaborou a Convenção
151, que trata das relações de trabalho na função pública dos países
signatários, como o Brasil. O texto garante a servidores o direito de negociar
condições de trabalho com o governo, mas, para a proposta valer, seriam
necessárias a ratificação do documento pelos parlamentares, a confirmação vinda
da Presidência e uma lei regulamentar que adapte os princípios gerais à
realidade brasileira. O Congresso Nacional só ratificou o texto em 2010 e ele
só deve ser promulgado pela presidente Dilma Rousseff nos próximos dias,
afirmam interlocutores do Planalto.
O novo projeto de lei está em processo avançado. De acordo
com Pedro Armengol, coordenador de setor público da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e diretor da Confederação dos Trabalhadores do Serviço
Público Federal (Condsef), o texto irá cobrir o vácuo deixado pela Constituição
Federal. “Ela nos deu o direito de greve, mas não o de negociar, criando uma
figura acéfala”, afirma. “A lei será uma forma de diminuir os conflitos na
relação de trabalho e, consequentemente, diminuir as paralisações. Ninguém faz
greve porque gosta e sim porque não é ouvido. A greve é produto de um conflito
que não foi resolvido porque não houve negociação”.
Segundo Armengol, no ano passado as organizações sindicais
pediram ao então relator do projeto de lei sobre o tema que tramita na Câmara,
o deputado federal licenciado Geraldo Magela (PT-DF), para não emitir parecer
sobre a proposta – e ele obedeceu. O argumento utilizado foi o de que o texto
discutido com o governo federal será menos restritivo, mais amplo e atualizado.
“Discutimos a possibilidade de haver uma negociação periódica com os
representantes trabalhistas e a criação de um observatório social, composto por
integrantes do governo e da sociedade, para acompanhar o diálogo e a resolução
de conflitos”, diz o diretor da CUT.
Projeto - O principal impasse ainda não resolvido para a
elaboração do texto final diz respeito à participação de categorias armadas em
greves. Segundo o Ministério do Planejamento, o governo quer proibir que
policiais façam paralisações. Já os sindicalistas são contra o impedimento, mas
defendem que haja uma regulamentação diferenciada para o setor. A restrição da
possibilidade de greve para os serviços essenciais também está em discussão. A
lei que protege o trabalhador do setor privado determina que, em caso de
paralisação, ao menos 30% do efetivo deve permanecer trabalhando. “No nosso
caso é mais complicado porque todo o setor público é essencial. Por isso
queremos mudar o conceito para serviço inadiável, com categorias bem
delimitadas, como a saúde, em que haverá regras específicas”, explica Armengol.
Professor de direito constitucional e trabalhista da
Universidade de Brasília (UnB), Paulo Blair concorda com a mudança de conceito.
“É preciso definir os casos em que o adiamento do serviço pode causar riscos
reais às pessoas”, destaca. Ele acrescenta, porém, que não há lei que garanta
100% a ausência de problemas provocados por qualquer paralisação. “O desafio é
compreendermos que a greve em si já é um conflito, logo, sempre causará
incômodo e prejuízo a alguém para que tenha resultado”, afirma. “O Congresso
não resolveu isso até hoje justamente porque é um tema espinhoso. Quando a
discussão voltar aos parlamentares, eles só vão votar se houver uma pressão da
sociedade para garantir seus direitos”.
Enquanto o projeto não chega à Câmara nem é aprovado, greves
no setor público continuam a ocorrer sem regras que as limitem.
Com informações: Valor Econômico