Adriana Caitano
Correio Braziliense - 21/06/2012
Sem alarde, tramita na Câmara a "PEC do
Vale-tudo", que muda a Constituição para garantir aumento automático a
parlamentares e acabar com limites à remuneração no serviço público
Comissão Especial da Câmara aprova projeto que acaba com o
limite aos vencimentos no serviço público
A semana de recesso branco, em que os corredores do
Congresso estão vazios e diversas reuniões foram canceladas por falta de
quórum, acabou tornando-se a janela perfeita para deputados federais aprovarem
sem alarde um projeto que acaba com o teto do funcionalismo público e transfere
ao Legislativo o poder exclusivo de definir reajustes aos Três Poderes. A
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 5 é uma espécie "libera
geral" nos reajustes do setor público e estava parada na Câmara há um ano.
Ela possibilitará ainda o segundo aumento de salário dos parlamentares em menos
de dois anos.
A comissão especial que analisou o texto havia se reunido
somente uma vez, há um mês. A reunião de ontem para votar a versão do relator
Mauro Lopes (PMDB-MG) ao texto de autoria de Nelson Marquezelli (PTB-SP) não
estava prevista até a noite de anteontem. No encontro, eles nem sequer leram o
novo texto, passando direto para a votação. Com isso, evitaram que as inúmeras
manobras acrescentadas fossem discutidas.
A PEC original fixava que o presidente da República, o
vice-presidente, os ministros de estado, os senadores e os deputados federais
passariam a ter salários idênticos aos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). Ao fim da votação, o relator garantiu que a única mudança teria
sido a inclusão do defensor público-geral federal na lista. O texto de Lopes,
porém, contém mudanças em outros cinco pontos da Constituição, que alteram
severamente a política de reajustes na administração pública.
Uma das alterações possibilita servidores públicos a
acumularem remunerações até acima do teto do funcionalismo, estabelecido pelo
salário dos ministros do STF. Na prática, quem tem vários cargos, recebe
benefícios, pensões e aposentadoria, poderá somar todos os proventos sem
limite, chegando a ganhar mais do que os próprios ministros.
Outra medida passa para os parlamentares o poder de designar
aumentos aos ministros do Supremo. O mesmo já acontece para os salários de
deputados, senadores, do presidente da República, do vice e dos ministros,
definidos por decreto legislativo do Congresso, promulgado sem a necessidade de
sanção presidencial. Com isso, a presidente Dilma Rousseff não poderá vetar
reajustes abusivos ou que sejam incompatíveis com o Orçamento da União.
Autonomia em xeque
Para o líder do PSol, Chico Alencar (RJ), a mudança fere a
autonomia dos poderes Judiciário e Executivo. "É preciso haver um filtro
para evitar absurdos e uma solução seria estabelecer uma periodicidade fixa de
quatro anos para o reajuste do teto, apenas com a reposição
inflacionária", sugere. Alencar critica também o projeto em tramitação na
Câmara que reajusta em 20,29% o salário dos ministros do STF, que passaria de
R$ 26.723,13 para R$ 32.147,90. "É muita cara de pau querer um pagamento
exorbitante desses em um país em que professores das universidades estão em
greve porque recebem pouco", destaca.
A pressa dos parlamentares para votar a PEC, inclusive, tem
relação direta com o projeto do STF. Caso ela seja aprovada antes, vinculando
os reajustes de deputados e senadores aos dos ministros, o aumento do Supremo
valerá para todos. Os parlamentares, portanto, terão o segundo aumento desde
dezembro de 2010, quando deram a si mesmos um reajuste de 62%. "Essas
armadilhas precisam ser analisadas com lente de aumento e qualquer aberração
será contestada", conclui Chico Alencar. A PEC ainda precisa ser aprovada
em dois turnos no plenário da Câmara e mais dois no Senado.
Vale tudo na Esplanada
Confira as principais alterações aprovadas pela Comissão
Especial na Câmara
» Retira a proibição
de servidores acumularem remunerações que ultrapassem o salário dos ministros
do STF. Na prática, eles poderão ganhar mais que todos os agentes públicos do
país.
» Acaba com os
limites de salário de funcionários públicos de municípios e estados, antes
vinculados à remuneração de prefeitos e governadores.
» Vincula os
vencimentos dos ministros do STF aos do presidente da República, do
vice-presidente, dos ministros de Estado, dos senadores, dos deputados
federais, do defensor público-geral federal e do procurador-geral da República.
» Exclui do
presidente da República o poder de vetar o aumento de salário dos ministros do
Supremo, como já ocorre com a remuneração dos parlamentares federais.