O Estado de S. Paulo
- 09/11/2013
O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília abriu
inquérito para investigar a enxurrada de funcionários comissionados, ou seja,
admitidos não mediante concurso, mas por apadrinhamento, no Senado. Nove meses
depois da posse do alagoano Renan Calheiros na sua presidência - e do anúncio
de cortes de custos e na folha de pessoal - eles já são maioria na Casa. Somam
3.241 servidores, ou 52% de um total de 6.232. É a primeira vez que isso
acontece em 11 anos. Conforme orientação do MPF, os sem-concurso deveriam representar
menos da metade do contingente empregado.
O trem da alegria conduzido pelo mesmo Renan que prometeu
fazer uma ampla reforma administrativa na instituição, para economizar R$ 300
milhões até o ano que vem, recebe cada vez mais passageiros especiais - um
"número exacerbado", dizem os procuradores. Desde fevereiro, pelas
contas do Portal da Transparência, foram admitidos apenas 3 concursados e 542
cujas credenciais se prestam mais ao loteamento político da Câmara Alta. Esse
dado é maior que o do ano 2000 inteiro, quando a turma beneficiada pelo QI
(Quem Indica) tinha só 370 membros.
O próprio Renan abriga em seu gabinete 12 filiados e
ex-filiados do seu partido, o PMDB. A lista incluía um ficha-suja, de nome
Nerigleikson Paiva de Melo, o Nery, que foi cassado sob a acusação de compra de
votos nas eleições de 2008 para a Câmara de Vereadores de Maceió. (Dias atrás
ele foi, afinal, exonerado.) Sabem, portanto, o que fazem os procuradores ao
demandar acesso aos dados pessoais dos comissionados, incluindo a sua eventual
filiação partidária. Querem saber também quem pediu ao diretor-geral da Casa
que os nomeasse e quantos deles ocupam cargos de direção, chefia e
assessoramento.
O ingresso risonho e franco de apaniguados daqueles que, com
a indiferença de sempre pela ética pública, lhes abrem as portas para tê-los ao
seu lado, segundo critérios de "estrita confiança", como se lê na
nota do Senado sobre a iniciativa do MPF, é objeto legítimo de averiguação. Mas
a lambança não pode obscurecer outra situação injustificável: entre protegidos
e concursados, a Casa tem o equivalente a 77 funcionários para cada 1 dos seus
81 mandatários eleitos. E nem todas as vagas estão preenchidas. Até o fim do
ano, por exemplo, 294 desses cargos deverão ser ocupados.
Eis por que a folha de pagamento do Senado consome R$ 3
bilhões por ano - sem falar no gasto com terceirizados. Há uma década, as
despesas com pessoal somavam pouco mais de R$ 1 bilhão, ou R$ 1,83 bilhão em
valores corrigidos. Em termos reais, portanto, o desembolso da Casa com os seus
funcionários deu um salto da ordem de 60% - e não é que o número de senadores
tenha aumentado. O mundo encantado dos benefícios que os parlamentares
distribuem com incontida desenvoltura, repassando a fatura para o contribuinte,
não se limita ao Senado. A Câmara também se mostra ágil e atuante quando se
trata da distribuição de vantagens para a sua gente.
A mais nova extravagância incompreensível para os cidadãos
comuns é o acréscimo de R$ 19 milhões, a partir do próximo ano, na sua folha de
pagamento para cobrir os gastos com 89 funcionários adicionais e os 30 efetivos
que passarão a ganhar um extra pelo exercício de cargos de confiança. Eles vão
trabalhar para as lideranças das bancadas dos recém-criados partidos PROS e
Solidariedade, um com 19 deputados, o outro com 22, que migraram de outras
siglas. Mas - eis o escândalo - os partidos abandonados não perderão as suas
cotas de funcionários. Estes não serão transferidos para os gabinetes dos
líderes das novas legendas nem haverá um remanejamento de servidores para
atender às mudanças na composição da Casa.
Se assim é, e se continuam sendo 513 os integrantes da Casa
que já emprega mais de 15 mil pessoas, os 119 servidores, entre atuais e
futuros, receberão dos cofres públicos para prestar serviços a duas entidades
privadas, como são, juridicamente, as agremiações políticas. Só falta o
Congresso voltar a acomodar nas suas dependências as sedes partidárias, como se
fazia em tempos idos nesse Brasil patrimonialista.
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