O Estado de S. Paulo
- 03/06/2015
Não se fazem greves porque as leis autorizam ou não
autorizam a sua deflagração. Porém, quando o ordenamento jurídico não trata
adequadamente essa matéria, a bagunça se instaura no campo trabalhista. É esse
o caso de muitas greves no setor público.
Cumpre lembrar que a Constituição de 1988, no artigo 37,
inciso VII, definiu que o direito de greve dos servidores públicos será
exercido nos termos e limites estabelecidos em lei complementar. Dez anos
depois, a Emenda Constitucional n.° 19, de 1998, determinou que a
regulamentação do direito de greve no setor público deve ser feita por
intermédio de lei específica.
Desde aquela época até hoje, em meio a vários projetos de
lei sobre a matéria em questão, nenhum foi aprovado pelo Legislativo. Diante
dessa ausência de regulamentação, não raro, o que tem sido aplicado na esfera
do setor público para dirimir movimentos paredistas é, com algumas adaptações,
a Lei n.° 7.783 de 1989, que disciplina a greve no setor privado.
A ocorrência de greves na área pública não é um
acontecimento esporádico, para ser assim tratado com tanta negligência. Pelo
contrário, elas se tornaram uma constante no País e seu número cresce a cada
ano. Basta ver o período recente, nos registros do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): em 2009 ocorreram 251 greves
na área pública; em 2010, 269; em 2011, 325; e em 2012,409.
Vale destacar também que a quantidade de greves de
servidores tem superado a de empregados do setor privado, como ocorreu em 2011
e em 2012. E em todos os anos os números de horas paradas no trabalho, em razão
das greves, é muito superior ao registrado nas paredes do setor privado. Quanto
ao prolongamento do número de horas, isso se deve também à falta de
regulamentação da lei de greve e às negociações serem muito complexas,
envolvendo várias instâncias de poder.
Ofato de essas paredes na área pública estarem sendo
dirimidas tendo como referência alei do setor privado faz com que se tratem de
forma igual situações bem distintas. A greve na área privada atinge questões
que não envolvem a sociedade como um todo. Já no caso das paralisações no setor
público, a população é sempre prejudicada. Não se pode esquecer de que é a
própria população que paga os impostos para sustentar a prestação dos serviços
que deixa de receber quando ocorre aparede. Além do mais, as características
dos que trabalham no setor público são bem diferentes das dos que são
empregados no setor privado. Os contratos de trabalho, os direitos e deveres,
em termos trabalhistas, não são os mesmos.
Embora o Brasil, em 2010, tenha ratificado a Convenção 151
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a livre negociação
para os servidores públicos, ela, por si só, não resolve o problema. A própria
convenção determina que as nações é que devem regular as negociações na área
pública, inclusive salientando as atividades essenciais que põem em risco a
população.
Assim, urge a promulgação de uma lei que estabeleça
claramente os limites das greves no setor público. Entre outras definições, que
ela determine o quantitativo mínimo de servidores que deverão trabalhar durante
a paralisação e quais são os serviços essenciais. A meu ver, alguns serviços
públicos não deveriam parar em hipótese alguma, como, por exemplo, transporte
coletivo, fornecimento de energia, segurança, abastecimento de água,
assistência médico-hospitalar, defesa civil, telecomunicações e serviços
judiciários.
As aspirações de servidores do governo não podem sobrepor o
bem comum, ou seja, o interesse público. Mas a ausência de regras claras sobre
as paredes no aparelho estatal faz com que os direitos dos usuários dos
serviços públicos, a sociedade, sejam relegados pelos paredistas. E as
paralisações, nesse setor, são estimuladas, ao contrário do que ocorre na área
privada, porque os riscos são quase inexistentes para os grevistas. Fácil
assim.
Artigo: Sérgio Amad Costa é professor de recursos humanos e
relações trabalhistas da FGV-SP