BSPF - 31/10/2015
A Constituição da República prevê atualmente três hipóteses
de aposentadoria especial ao servidor público, nas quais os requisitos para a
concessão do benefício previdenciário diferem dos requisitos gerais para a
aposentadoria voluntária.
Tais hipóteses estão elencadas no § 4º do artigo 40 da
Constituição e se referem a servidores (a) portadores de alguma deficiência;
(b) que exerçam atividades de risco; ou (c) aqueles cujas atividades sejam
exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, ou seja, atividades penosas ou insalubres, que submetem o trabalhador a
agentes químicos ou físicos nocivos.
Já tivemos oportunidades de discutir aqui a evolução (ou a
involução) do direito à aposentadoria especial, fruto da omissão ainda
persistente do legislador em cumprir o comando constitucional e regulamentar
devidamente este direito[1].
Assim, entre as grandes lacunas legislativas nos casos de
aposentadoria especial aplicáveis aos servidores públicos, uma delas felizmente
tem sido suprida pelos tribunais para a garantia do direito dos servidores –
trata-se da possibilidade de concessão do abono de permanência aos servidores
que cumprirem aqueles requisitos diferenciados para a aposentadoria especial.
O direito ao abono de permanência consiste no reembolso da
contribuição previdenciária devida pelo servidor que cumpre os requisitos para
a aposentadoria, mas prefere continuar em atividade. Este direito é previsto no
artigo 40, §19, da Constituição Federal, com a seguinte redação:
“Art. 40 […]
19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado
as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e
que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência
equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as
exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.”
Cumpre anotar que a regra geral de concessão do abono de permanência
tem por objetivo permitir que os servidores em perfeitas condições de trabalho,
mesmo tendo atendido as condições para a aposentadoria voluntária, permaneçam
em exercício, o que gera ganho aos cofres públicos.
Entretanto, em uma primeira e apressada leitura, o
dispositivo dá a entender que somente os servidores que tenham completado os
requisitos gerais de aposentadoria (previstos no artigo 40, §1º, inciso III da
Constituição) fariam jus ao abono de permanência. Esta interpretação
restritiva, entretanto, não merece prevalecer.
Neste sentido, a discussão sobre o caso dos servidores
policiais é emblemática e já antiga.
No caso destes servidores, seu direito à aposentadoria
especial é garantido pela Lei Complementar nº 51, de 1985, que foi recepcionada
pela Constituição Federal de 1988, segundo entendimento do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Ocorre que a LC nº 51/1985 se limita a estabelecer prazos
diferenciados para a concessão da aposentadoria, sem regular quaisquer outros
aspectos relativos ao benefício.
Dessa forma, frente a esta lacuna e em homenagem ao
princípio da isonomia, não há qualquer razão para que a regra de concessão do
abono de permanência não seja aplicada aos servidores que cumpram os requisitos
para a aposentadoria especial.
Esta interpretação tem sido amplamente reconhecida pela
jurisprudência dos tribunais, inclusive do STF. Neste sentido, veja-se a recente
decisão proferida pela Primeira Turma da Corte no ARE 782834, de 29/04/2014.
Igualmente, o direito ao abono de permanência aos servidores policiais que
cumprirem os requisitos de aposentadoria especial também foi reconhecido no
âmbito do Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1.343/2010) e pela própria
Advocacia-Geral da União ainda no ano de 2008, através da Nota AGU/JD-2/2008.
Mais amplamente, acreditamos que o abono de permanência deve
ser concedido a todos os servidores que cumprirem os requisitos para
aposentadoria especial, já que não vislumbramos qualquer incompatibilidade
entre os institutos.
Daí porque não deve subsistir a regra instituída pelo
Ministério da Previdência Social através da Instrução Normativa nº 2, de 2014,
que estabelece instruções para a concessão de aposentadoria especial a
servidores com deficiência, amparados por ordem em mandado de injunção em
virtude da falta de regulamentação legal.
Isso porque tal instrução prevê expressamente que, salvo
decisão judicial em sentido contrário, suas regras não serão aplicadas para
fundamentar o pagamento de abono de permanência.
Segundo nosso entendimento, contudo, esta regra não possui
amparo legal e viola flagrantemente o princípio da isonomia insculpido no texto
constitucional, merecendo ser afastada para a garantia da percepção do abono de
permanência aos servidores que cumprirem aqueles requisitos de aposentadoria e
optarem pela permanência no serviço público.
[1] Veja-se, a respeito, os seguintes artigos: Súmula do STF
sobre aposentadoria especial pouco ajuda servidor
,
Aposentadoria especial do servidor com deficiência: regulamentar para melhorar
.
Fonte: Blog Servidor Legal (Igor Bueno)