BSPF - 14/02/2016
Colunista faz críticas à atual CGU. “O que era uma
instituição de Estado passou a se mover como uma instituição de governo, com os
resultados nocivos ao bem público e à transparência”
Nesta semana, tivemos a volta dos trabalhos no Congresso
Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), duas instituições que a cada dia
mais têm a ver uma com a outra. De cara, o presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, protocolou no Supremo questionamentos sobre decisão anterior
acerca do rito do impeachment. Candidatos e delatores fizeram novos depoimentos
no âmbito da Lava Jato. Caseiros, zeladores, porteiros, engenheiros e capatazes
colocam o ex-presidente Lula em maus lençóis. E, afinal, o correto é tríplex ou
triplex?
No entanto, uma notícia bastante reveladora passou quase
despercebida por jornalistas e especialistas da grande mídia. Assim como já
havia feito em relação aos contratos do BNDES com empresas nacionais e governos
amigos, a Controladoria-Geral da União, a CGU, negou-se a fornecer ao Tribunal
de Contas da União, o TCU, mais detalhes sobre os polêmicos acordos de
leniência que o governo federal pretende fazer com empresas penduradas até o
pescoço nas denúncias da Lava Jato. Típica bola fora de uma instituição que foi
moldada para ser um exemplo de atuação do poder público no combate à corrupção
e à impunidade.
A CGU foi criada em 2003, por meio da fusão de atribuições
de três órgãos: a Secretaria Federal de Controle Interno, a Ouvidoria-Geral da
União e a Corregedoria-Geral da União. Está lá no portal da CGU que a
instituição deve “assistir direta e imediatamente ao presidente da República
quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa
do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das
atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e
combate à corrupção e ouvidoria”. Notem bem: “defesa do patrimônio público”,
“transparência” e “combate à corrupção”.
No início, a CGU manteve-se independente das pressões do
dia-a-dia da política, e foi peça importante na fiscalização de servidores,
contratos e repasses de recursos públicos federais. Além disso, marcou pontos
na aprovação da Lei de Acesso à Informação, na promoção da histórica e até
agora única Consocial/1ª Conferência Nacional sobre Transparência e Controle
Social – um grande encontro nacional para discussão com a sociedade sobre as
questões mais urgentes envolvendo o controle social sobre os recursos públicos
– e na concretização da OGP/Parceria para Governo Aberto, uma iniciativa
multilateral para promoção da transparência entre governos e sociedade, da qual
o Brasil é fundador ao lado dos Estados Unidos.
Mas infelizmente, de um tempo para cá, a coisa começou a
desandar, e o que era independente começou por se revelar cada vez mais
alinhado ao poder do momento. O que era uma instituição de Estado passou a se
mover como uma instituição de governo, com os resultados nocivos ao bem público
e à transparência, como seria de se esperar.
Ao repetir a dose e negar informações a outra instituição de
Estado de controle e auditoria dos recursos públicos, a CGU vai na mais
completa contramão do que está em sua missão – “defesa do patrimônio público e
ao incremento da transparência da gestão”. Tais acordos de leniência, criados
sob medida para salvar empreiteiras enroladas na operação Lava Jato, apequenam
a CGU e são um acinte. E a recusa em revelar detalhes desses arranjos –
principalmente sob o argumento de que isto violaria o sigilo de empresas
privadas – é um desrespeito à inteligência dos cidadãos.
Vale lembrar que em diversos momentos foi justamente a ação
conjunta do TCU (órgão de controle externo, ligado ao Legislativo) com a CGU
(controle interno, do Executivo) é que permitiu a recuperação de recursos
desviados e a punição de envolvidos. E é justamente esta relação de
complementaridade entre uma auditoria interna e outra externa é que deve ser
valorizada e preservada exatamente para que a interna seja mais independente e
eficaz. Exatamente como no mundo corporativo privado, onde esforços de
auditoria e compliance se beneficiam pelo intercâmbio de informações e
experiências.
Evidentemente, isso vai parar no Supremo. E deve cair, assim
como caiu o sigilo dos contratos do BNDES. Mas a que custo, em termos de imagem
para o governo e mesmo sobrecarga de ações no Supremo?
Essa situação a que a CGU vem sendo submetida tem sido
denunciada até pelos seus servidores. Ano passado, por exemplo, a Unacon
Sindical, entidade representativa dos analistas e técnicos de finanças e
controle, fez uma mobilização contra o estrangulamento orçamentário e de
pessoal que a instituição vinha sofrendo. Na época, o enfraquecimento das ações
de combate à corrupção já estava flagrante.
O resultado disso tudo, óbvio, é uma redução da
transparência nos gastos públicos, o que vem preocupando muitos cidadãos mais
conscientes. Um deles é o professor de Direitos Humanos Michael Freitas
Mohalem. Em vídeo (veja abaixo) para o nosso programa Agentes de Cidadania, o
professor afirma enfaticamente: “quando um banco público brasileiro financia
uma atividade, principalmente no exterior, ou mesmo doméstica, há que existir
sempre o controle cidadão. O controle democrático deve ser um condicionante
importante para que exista essa doação”.
Por qualquer lado que se olhe, a atitude da CGU em relação
ao TCU é antidemocrática, anticidadania e anti-republicana. Será esse o triste
fim daquela que foi uma das instituições de Estado de controle e fiscalização
mais respeitadas do país? Esperamos que não.
Jorge Maranhão é publicitário, consultor e escritor.
Atualmente dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão, além de
produzir e apresentar boletins semanais sobre cidadania nas rádios Globo e CBN.
E-mail: jorge@avozdocidadao.com.br.
Fonte: Congresso em Foco