Correio Braziliense
- 30/10/2016
Segundo a OCDE, número de servidores públicos no Brasil
segue a média da América Latina e é inferior ao de países desenvolvidos. Para
especialistas, problema é a má distribuição e disparidade
salarial nas diversas
áreas
Dados desmentem ideia de inchaço da máquina
A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores
públicos. A média é a mesma verificada nos demais países da América Latina, de
acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro -
nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações
como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa
está empregada no serviço público.
Apenas no âmbito federal, o Brasil conta com 2,2 milhões de
funcionários, 250 mil a mais que há 10 anos - alta de mais de 10%. No mesmo
período, a despesa anual com esses servidores saltou de R$ 115 bilhões para R$
264 bilhões, um aumento de 129%. As informações são do Boletim Estatístico de
Pessoal, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Já a quantidade de
servidores municipais chegou a 6,5 milhões em 2015, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de os números absolutos impressionarem, especialistas
dizem que os dados da OCDE provam que, na comparação com os outros países, a
quantidade não pode ser considerada exorbitante. "Não é que o Brasil tenha
servidores demais. Tem uma população grande e, consequentemente, um número
expressivo de servidores públicos. Não se pode analisar de forma
descontextualizada", explica a professora Mônica Pinhanez, doutora em
Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute
of Technology (MIT). Afinal, com 204 milhões de habitantes, o país tem a quinta
maior população mundial.
"Esse dado, sozinho, não significa que tenha mais ou
menos eficiência", pondera. A visão de que o número de funcionários
determina se uma nação é muito ou pouco desenvolvida é, nas palavras dela,
preconceituosa. "Tem que qualificar a questão, ver que serviços são
oferecidos em contrapartida. Tem, também, o fato da economia ser mais ou menos
liberal. Além disso, é importante notar que países menos desenvolvidos, muitas
vezes, dependem do setor público para empregar a comunidade", argumenta a
professora.
Produtividade
Julgar a realidade do funcionalismo público apenas com
números é um erro comum, concorda o especialista em governança e políticas
públicas Antônio Lassance, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"Não existe uma quantidade ideal de servidores. Ficar com números muito
baixos ou muito altos pode ser um mau sinal, dependendo da produtividade desses
servidores. Estamos longe de números civilizados a esse respeito",
acredita o pesquisador.
Para Cláudia Passador, especialista em gestão pública da
Universidade de São Paulo (USP), não há falta de funcionários. "Nem sobra.
Tradicionalmente, não temos histórico de excesso de servidor, de cabide de
emprego. O que tem é carência de ferramentas de gestão na estrutura dessas
organizações", afirma. "Longe de ser um inchaço, o problema no setor
público é que a administração parou na década de 1930. Falta atualização das
ferramentas, uma reforma administrativa."
Desequilíbrio
O que preocupa os especialistas é a desigualdade na
distribuição dos servidores em cada área. "As pessoas têm a falsa ideia de
que a falha do serviço público é de excesso de funcionários. Mas não é",
garante Lassance. O problema não é quantitativo, mas qualitativo, explica. Enquanto
sobram funcionários em certas áreas, como no Legislativo, faltam em serviços
básicos, como saúde e educação. "Há deficiências em várias áreas. Não
porque não haja profissionais habilitados, mas porque os salários, muitas
vezes, não são atrativos", acredita o pesquisador.
"Alguns servidores custam muito caro, principalmente
nos poderes Legislativo e Judiciário. O chamado teto salarial do serviço
público foi completamente desmoralizado, sobretudo pelo Judiciário, que paga
três, quatro, cinco vezes o teto a alguns juízes e desembargadores",
avalia Lassance. Segundo dados do Planejamento, cada servidor do Judiciário
custa, em média, R$ 123 mil por ano, enquanto o gasto anual com um funcionário
do poder Executivo é de R$ 42,7 mil. No Legislativo, a diferença é ainda mais
evidente: o custo de cada servidor é, em média, R$ 153 mil por ano.
Com base nesses números, Lassance acredita que o Brasil está
dando o recado errado às pessoas que se formam nas áreas de humanas, biologia
ou matemática. "O país está dizendo "larga disso. Vai ser consultor
legislativo, auditor de um tribunal de contas ou vá trabalhar no Judiciário.
Vale mais a pena"", argumenta.
O desequilíbrio existe tanto nos salários quanto na
distribuição de pessoal, afirma o professor Clóvis Bueno de Azevedo, do
Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas. "Dizer que tem inchaço na máquina
pública no Brasil é bobagem. O que temos é uma distribuição ruim de
pessoal", afirma. Há desproporção, segundo ele, no número de funcionários
em áreas urbanas e rurais, entre as capitais e o resto do país e entre os
serviços do centro e da periferia. "Em São Paulo, por exemplo, tem muito
menos médicos na periferia que nas regiões centrais", pontua.
O mesmo ocorre, segundo Lassance, do Ipea, com os
professores da rede pública. Segundo relatório de uma auditoria feita pelo
Tribunal de Contas da União (TCU) em 2015, ainda há carência de servidores em
áreas importantes, como a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal
(PRF) e a Receita Federal.
Para Azevedo, da FGV, o fato de cada deputado federal
brasileiro poder contar com até 25 assessores é um exemplo de falha do sistema.
"Poderíamos funcionar com 70% dos deputados que temos atualmente e com
menos assessores cada, e ter uma Câmara igualmente representativa da
população", argumenta. Como exemplo, ele cita os Estados Unidos, que têm
cerca de uma centena de parlamentares a menos que o Brasil.
Proposta de redução
Um projeto de lei em tramitação no Congresso visa reduzir o
número de parlamentares no país. De iniciativa do senador Jorge Viana (PT-AC),
ele reduz o número de deputados de 513 para 385 e o de senadores de 81 para 54.
Em enquete feita em fevereiro deste ano no site do Senado, 174 mil pessoas se
posicionaram a favor da proposta - 99% dos votos. Segundo Clóvis Azevedo, da
FGV, "dá para trabalhar com muito menos gente e aproveitando o corpo de
assessores do Congresso". Em ranking da Organização das Nações Unidas
(ONU) divulgado em 2013, o Brasil ficou em segunda posição entre os países que pagam
salários mais altos aos parlamentares.
(Alessandra Azevedo)