Correio Braziliense
- 02/11/2016
Remuneração média na iniciativa privada, de R$ 1.889, é
quase R$ 1 mil inferior à do setor público. Para aumentar a distorção, entre
2012 e 2015, a recomposição dos ganhos dos funcionários foi 244,5% superior à
de outros trabalhadores
Eles são em menor número e mais bem pagos. De acordo com
dados do Cadastro Central de Empresas (Cempre) e do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), de 2013, apesar de os servidores públicos
representarem 0,4% da mão de obra empregada no país ante a 89,9% dos que
trabalham na iniciativa privada, o salário médio do funcionalismo no período
era de R$ 2.987. A remuneração média dos ocupados em empresas era de R$ 1.889.
Para aumentar a diferença, nos últimos anos, os funcionários
públicos conseguiram reposições mais altas do que quem trabalha no setor
privado. Um estudo do economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas
(FGV), mostra reajustes 244,5% superiores aos conseguidos na iniciativa
privada, entre 2012 e 2015. As distâncias remuneratórias são mais gritantes
entre o pessoal de nível médio, em Brasília. "São distorções que, do ponto
de vista econômico, não se justificam. Além disso, há muita falta de
transparência. Nunca se sabe exatamente o custo total do servidor para o
Tesouro Nacional. Alguns benefícios são uma caixa-preta", destacou
Marconi.
Apesar do favorecimento dos últimos anos, a pressão dos
servidores por reposição inflacionária e equiparação entre carreiras tende a
aumentar, segundo especialistas, ameaçando a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) do Teto, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano
anterior.
Com uma legislação que impede redução de salários no
funcionalismo público, a grande preocupação do governo federal é com a
remuneração muito alta no início de algumas carreiras. A forma de acertar essa
discrepância, em que iniciantes têm salários semelhantes aos profissionais mais
experientes, ainda está em estudo. Uma das alternativas seria congelar a
remuneração inicial e reajustar somente os cargos mais elevados.
Bom senso
"Em 2017, estaremos às vésperas das eleições. Os
parlamentares são muito sensíveis a esse período. Difícil prever se, nessa
conjuntura, o bom senso prevalecerá", alertou Gil Castello Branco,
secretário-geral da Associação Contas Abertas. Segundo Castello Branco, o
governo só conjuga o verbo cortar e os servidores não cansam de repetir que
querem somente a reposição inflacionária. O discurso do funcionalismo seria
"normal" - pois é o que todos querem -, em época de crescimento
econômico. Porém, com 12 milhões de desempregados no país, com pessoas
subocupadas, que aceitam salários abaixo dos anteriores para não perder a vaga,
"é impensável o setor público reivindicar revisão geral e ameaçar com
greve", assinalou.
Para o secretário-geral da Contas Abertas, do ponto de vista
econômico, essa prática do governo de se submeter às pressões dos servidores e
abrir os cofres significa uma perniciosa transferência de renda do setor
privado para o setor público. "O governo costuma dar mais, não para
aqueles que mais precisam, mas para os que pressionam mais. As distorções
pioraram, após 1988, quando o Judiciário e o Ministério Público ganharam
orçamento próprio para dividir como lhes convém. Chegamos a um ponto em que
corrigir distorções se tornou praticamente impossível. E se o critério, como
parece que é o que vai prevalecer, continuar sendo o poder de pressão, os
disparates vão se agigantar", salientou.
Como a diferença salarial entre o serviço público e a
iniciativa privada aumentou severamente, disse o economista, os concursos
públicos viraram o sonho dos jovens brasileiros. "Desde pequeno, já se
pensa em fazer um concurso. Antigamente, ao se perguntar a uma criança o que
queria ser quando crescer, ela dizia médico, engenheiro, professor. Hoje, de
cada 10 pessoas, 11 - porque uma está grávida e vai querer semelhante carreira
para o filho - querem entrar para o serviço público", ironizou o
diretor-geral da Contas Abertas.
Distribuição
Castello Branco destacou que, no país, há mais de 10 milhões
de servidores, que consomem aproximadamente 14% do Produto Interno Bruto (PIB).
No serviço público federal, essa relação com o PIB vem caindo desde os anos
1990 (cerca de 5% para aproximadamente 4%). "A questão, portanto, não é o
valor global e nem a quantidade de recursos humanos. O problema é a má
distribuição e a falta de uma estrutura de cargos e salários. Se constata
verdadeiros absurdos remuneratórios e graves divergências entre Executivo,
Legislativo e Judiciário", afirmou.
Ele lembrou que, recentemente, foi revelado que um policial
legislativo ganhava R$ 39,7 mil mensais. Após os descontos, ficava com R$ 25,9
mil. Um garçom, na Câmara, ultrapassou os R$ 15 mil. E vários desembargadores
chegaram a tirar R$ 70 mil mensais livres. Enquanto estados e prefeituras nem
sequer conseguem pagar o 13º salário.
O presidente Getúlio Vargas (1930 a 1945 e de 1951 a 1954)
foi um dos primeiros a tentar modernizar a máquina administrativa. Em 1938,
criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), justamente para
organizar, com rigor técnico, a estrutura pública. Em 1979, o economista Hélio
Beltrão criou para o governo militar o Programa Nacional de Desburocratização.
Em 1995, Bresser Pereira lançou o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do
Estado. Todos foram arautos de boas ideias, sem resultado prático porque a
pressão por manter privilégios superou todas as tentativas de organização do
Estado brasileiro.
(Vera Batista)