BSPF - 26/12/2016
Racismo na Administração Pública. Como combatê-lo? Quais são
as penas e sanções para quem o pratica? Há ações afirmativas?
Racismo, por definição, é um conjunto de teorias e crenças
que estabelecem uma hierarquia entre raças ou etnias. Ou seja, com base em
preconcepções, reputa-se que um grupo de pessoas é superior a outro, de acordo,
principalmente, com suas características fenotípicas, como tom de pele, formato
do nariz, ou até a conformação de seu rosto.
Durante mais de dois terços de nossa breve história como
nação, legitimou-se a dominação de uma raça sobre outra, o que resultou na
escravização dos nativos, e, logo após, na do negro africano. Tal dominação era
legitimada por nosso Direito legislado, à época, e só se tornou prática
indevida, no campo normativo ao menos, após a publicação da Lei Imperial de nº
3.353, de 13 de maio de 1888, denominada Lei Áurea.
Claro está que a proibição da escravização de nativos e
negros não acabou com o racismo no Brasil. Pelo contrário, grande parte da
população brasileira continuou — e continua — a ser vista como de “segunda
categoria”, devendo ser relegada, tão somente, a certas localidades nas
metrópoles, a exemplo de rodoviárias, e não aeroportos.
No atual Direito Brasileiro, a prática do racismo é vedada
pela lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça
ou de cor. No caso específico da Administração Pública, essa lei prevê que
aquele que impede ou obsta o acesso a alguém, devidamente habilitado, a
qualquer cargo da Administração Direta, ou indireta, bem como às
concessionárias de serviços públicos, poderá ser condenado a pena de reclusão
de dois a cinco anos. Tal pena também é cominada a quem obstar a promoção
funcional por motivo de discriminação de raça, cor, etnia religião ou
procedência nacional.
Soma-se a isso outra determinação presente neste mesmo
diploma normativo (artigo 16), que é a perda do cargo ou função pública, se o
autor do crime for um servidor público. Neste caso, na forma do artigo 18, esta
perda não é automática, devendo ser declarada, motivadamente, em sentença.
Na esfera administrativa, a prática do racismo, por servidor
público, contra subordinado ou contra um terceiro qualquer, pode atentar contra
seus deveres de tratar as pessoas com urbanidade, de lealdade para com a
instituição pública a que está vinculado, bem como o de manter conduta
compatível com a moralidade administrativa, conforme determinado pela Lei
8.112/90, e reprisado em outros estatutos de servidores públicos estaduais e
municipais. Em tese, a violação a tais deveres seria punível com advertência,
porém, diante da gravidade da conduta, conforme disposto no artigo 129 da
referida lei, pode ser aplicada punição mais grave, caso se justifique.
Além disso, a prática de racismo por servidor público pode,
também, ser enquadrada como prática de improbidade administrativa. Isso porque,
em tese, haveria violação aos princípios da Administração Pública e da
República Federativa do Brasil, vez que se trata de conduta incompatível com a
moralidade administrativa no trato para com terceiros, violando, assim, os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, boa-fé e lealdade para com
as instituições, ou seja, a descrição fiel do caput do artigo 11 da Lei
8.429/92.
Em resumo, além da esfera criminal, em que o servidor
público que pratica o crime de racismo pode ser condenado à pena de reclusão de
dois a cinco anos, e sofrer a perda de seu cargo ou função, há também as
sanções advindas do enquadramento no Estatuto dos Servidores Públicos e na Lei
de Improbidade Administrativa, que são as seguintes: penas de advertência,
suspensão, demissão a bem do serviço público ou cassação de aposentadoria, no
caso estatutário; ou ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de
multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, no que
toca à Lei de Improbidade.
Para além da esfera punitiva, há as ações afirmativas, que
também visam o combate ao racismo. Dentre elas destacam-se a política das cotas
raciais, que reserva vagas para determinadas raças (como negros e índios) em
universidades públicas (a partir do ano 2000) e, mais recentemente, por meio da
Lei 12.990/14, vagas oferecidas em concursos públicos no âmbito da
Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
Veja-se, inclusive, que, no que toca às cotas raciais nas
universidades públicas, o Supremo Tribunal Federal já declarou que são
constitucionais. Citamos como exemplo o caso do julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, ajuizada pelo Partido
Democratas, que declarou que o sistema de cotas da Universidade Federal de
Brasília (UNB), em que uma banca analisa se o candidato é, ou não, negro, seria
uma espécie de “Tribunal Racial”.
Naquele caso, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, foi
unanimemente seguido pelo plenário do STF, ao declarar que as cotas da UNB não
se mostravam desproporcionais ou irrazoáveis. Indicou, na verdade, que a regra
tem o objetivo de superar distorções sociais históricas, empregando meios
marcados pela proporcionalidade e razoabilidade.
É importante ressaltar, por fim, as iniciativas que partem
de dentro dos próprios órgãos públicos, no sentido da capacitação de seus
servidores para lidar com a prática do racismo e combatê-la. Citamos o caso da
prefeitura de Maceió que, no ano de 2013, por meio da integração de suas
secretarias e superintendências, realizou um ciclo de atividades para discussão
acerca da abordagem e identificação do chamado racismo institucional. O
objetivo, conforme dito pela Secretaria Executiva do gabinete do prefeito
daquela capital, foi de capacitar o servidor que lida diretamente com o
público, em especial com a população afrodescendente.
Diante do cenário apresentado, podemos concluir que, na
Administração Pública brasileira há diversas ações direcionadas a coibir a
abominável prática de racismo. Pode-se, evidentemente, discutir que estas são
tardias, ou ainda, insuficientes, porém, já demonstram um caminho a ser
seguido. Caminho este que precisa ser alargado, para minorar a grande
desigualdade entre raças e camadas sociais existente no Brasil.
Por Daniel Hilário, especialista em Direito do Servidor e
dos Candidatos a cargos públicos, é advogado na unidade de Belo Horizonte-MG do
escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.
Fonte: Blog Servidor Legal