Correio Braziliense
- 10/03/2017
A reforma da Previdência em curso - PEC 287/2016 - pretende
alterar as regras da Constituição Federal que se referem à previdência
complementar dos servidores públicos. O modelo atual, construído a partir de
reformas anteriores, veio para limitar o valor das aposentadorias dos
servidores ao mesmo teto que se aplica aos benefícios do INSS, atualmente, de
R$ 5.531. A limitação já está em funcionamento na União e em diversos estados,
onde novos servidores que quiserem se aposentar com benefícios superiores ao
teto podem participar de um plano de previdência complementar, administrado por
uma entidade sem fins lucrativos. A PEC 287 quer trazer duas alterações. A primeira
é obrigar os estados e os municípios que ainda não instituíram a previdência
complementar a adotar esse regime para novos servidores.
A segunda é acabar
com a exclusividade das entidades sem fins lucrativos na administração dos
planos, no que fica subentendida a ideia de abrir esse mercado a instituições
financeiras, como bancos e seguradoras. Não vemos como esta segunda mudança
possa ser benéfica aos servidores, ao governo ou mesmo à sociedade. As
entidades que hoje administram a previdência complementar dos servidores
recebem contribuições tanto dos próprios servidores quanto do governo - o
empregador - sendo obrigadas a seguir normas de transparência, regras de
licitação e de recrutamento de pessoal por concurso. Há ainda a paridade
existente na própria gestão do fundo, que garante aos participantes metade das
cadeiras nos órgãos de decisão.
Dessa forma, membros
dos conselhos Deliberativo e Fiscal são definidos por eleição direta, o que não
existe no mercado privado. A eventual participação das entidades do mercado no
regime complementar dos servidores será prejudicial tanto aos cofres públicos
quanto aos servidores. Interessa às duas partes que o valor das contribuições
revertido à futura aposentadoria seja o maior possível, pois assim dará maior
segurança à aposentadoria do servidor e vai gerar economia ao investimento que
o poder público terá de fazer para assegurar a previdência de seu pessoal.
Abrir esse segmento à
concorrência privada gerará planos mais caros, além de aposentadorias menores.
As taxas de administração do plano tendem a ser maiores, quando se trata de
empresas com fins lucrativos. Em segundo lugar, não se pode confundir um
simples investimento financeiro com previdência complementar. Trata-se de um
equívoco que frequentemente tira a clareza das avaliações. Para se ter uma
ideia do peso desta variável, se considerarmos um período de 35 anos de
acumulação, cada ponto percentual a mais na taxa de administração reduz em 20%
a reserva necessária para o pagamento da aposentadoria no futuro.
O argumento da eficiência na gestão financeira também não é
pertinente, dada a prática consolidada de se comprar títulos públicos federais
com duração curta e a grande concentração em operações compromissadas. Além
disso, o caráter previdenciário inerente ao plano corre o risco de ser
desfigurado pela oferta, aos servidores, de outros produtos financeiros do
grupo empresarial, tais como seguros, empréstimos e cartões de crédito, em
detrimento da poupança previdenciária de longo prazo. Finalmente, embora se
esteja falando apenas de estados e municípios, a verdade é que as alterações
propostas na PEC 287, se aprovadas, poderão ser aplicadas também pelos governos
que já possuem suas fundações, inclusive, a própria União.
No mercado aberto,
os mecanismos contratuais para acesso imediato à poupança previdenciária podem
prejudicar a aposentadoria desses servidores, uma vez que as reservas devem ter
como objetivo o provimento do benefício, e não o resgate prematuro. É esta,
aliás, a essência da previdência: poupar hoje para garantir o amanhã. A
Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder
Executivo (Funpresp) e as entidades estaduais criadas recentemente precisam ser
preservadas e fortalecidas. São fundações que já começaram a cumprir o
importante papel de fazer a transição do modelo antigo das aposentadorias
integrais para um sistema que, além de desonerar os gastos públicos no médio
prazo, caminha para a sustentabilidade e para a uniformidade de tratamento
previdenciário dos brasileiros.
DANIEL PULINO: Professor de direito previdenciário da PUC-SP,
membro eleito do Conselho Deliberativo da Funpresp e procurador federal de
carreira
IVAN BECHARA: Pós-graduado pela Universidad de Alcalá e pela
University College London, procurador federal de carreira e participante da
Funpresp.