Correio Braziliense
- 05/07/2017
Associações de auditores pedem veto a artigo de projeto de
lei que exige curso superior para o cargo de técnico do Banco Central; outras
entidades, porém, apoiam a medida
O presidente Michel Temer tem prazo até segunda-feira para
arbitrar uma disputa que vem colocando em campos opostos entidades
representativas dos servidores. Temer terá que decidir se mantém ou veta o
artigo 55 do projeto de lei de conversão (PLV) aprovado pelo Congresso no lugar
da Medida Provisória nº 765/2016, que concedeu aumento salarial para diversas
categorias do funcionalismo. O artigo, inserido durante a tramitação do texto
no Legislativo, altera de médio para superior o nível de escolaridade exigido
para o cargo de técnico do Banco Central (BC).
Duas associações de auditores de controle externo enviaram
carta à Presidência da República pedindo veto do artigo. Elas acham que o
dispositivo pavimenta o caminho para demandas salariais futuras e, portanto,
representa risco para as contas públicas, apesar de não implicar impacto
orçamentário imediato. Assinam a carta a AUD-TCU, de auditores do Tribunal de
Contas da União, e a ANTC, que representa auditores de tribunais de contas de
todo o país.
Defensoras de uma postura mais rígida contra expansão de
gastos do governo, as duas associações têm influência sobre parlamentares do
PSDB no Senado, partido com o qual presidente Michel Temer precisa contar para
não ver desfalcada a base parlamentar. A carta das associações de auditores é
assinada ainda pela Anajus, associação de analistas do Judiciário e do
Ministério Público da União, e pela Unalegis, dos analistas legislativos da
Câmara dos Deputados.
A diretoria do BC, comandada por Ilan Goldfajn, trabalha
para que o artigo 55 seja mantido. “Cada vez mais, as atribuições e os desafios
postos ao BC evoluem em complexidade, o que demanda a atuação de servidores
cada vez mais bem capacitados. Nesse sentido, o nível superior para os
especialistas que atuam no BC é desejável”, disse ele ao Correio, por
intermédio da assessoria.
Goldfajn respondeu ao Correio antes de o Sintbacen,
sindicato dos técnicos do banco, promover, ontem, ato público cobrando dele
postura de apoio mais firme perante o governo. Além de antigo, o pleito da
diretoria do BC é reforçado num momento em que a autoridade monetária vem sendo
bem sucedida no controle da inflação.
A pressão a favor da manutenção do artigo 55 vem também da
Unacon Sindical, que reúne auditores e técnicos federais de finanças e controle
(Tesouro Nacional e da Controladoria Geral da União). A Unacon enviou carta ao
Planalto apoiando a preservação do artigo.
Mesmo entre associações de auditores de tribunais de contas,
a questão divide opiniões. A Auditar, que representa a maior parte dos
auditores do TCU, e a Fenastc, associação de técnicos e de auditores de tribunais
de contas de todo o Brasil, não chegaram a se pronunciar oficialmente sobre o
BC. Mas não veem problema na maior exigência de escolaridade para ingresso em
carreiras de apoio na administração pública.
Divisões
A diferença salarial entre técnicos e analistas do BC vai de
R$ 10 mil a R$ 13 mil. Luciene Pereira da Silva, presidente da AUD-TCU, alerta
que a elevação do cargo de técnico para nível superior “criará ambiente para
equiparações salariais futuras”, com “impactos incompatíveis” com o novo regime
fiscal, que impõe teto para os gastos públicos. Ela destaca o “elevado
potencial de efeito multiplicador da medida. Se não houver veto no caso do BC,
acredita, ficará mais difícil barrar outras carreiras que buscam o mesmo, a
exemplo dos técnicos do próprio TCU.
“O veto é totalmente descabido. O pleito do BC é legítimo”,
rebate Rudinei Marques, presidente da Unacon. Ele admite que demandas por
equiparação salarial podem até existir, mas diz que isso não é desculpa para
deixar de atender a uma necessidade do BC. Ele cita como exemplo a criação do
cargo de analista tributário na Receita Federal. A diferença salarial entre
analistas e auditores da Receita persiste, embora os primeiros tenham tentado,
sem sucesso, a equiparação.
Jordan Pereira, presidente do Sinal, sindicato dos analistas
e técnicos do BC, informa que existe consenso entre as duas categorias de que
os salários não podem equiparar, embora a diferença deva diminuir. E pondera
que a existência de demandas por melhores salários independe do nível de
escolaridade exigido nos concursos.
A mudança no requisito de ingresso para técnicos tem parecer
favorável da Procuradoria do BC, que analisou, inclusive, a possibilidade de a
medida ser alvo de ação de inconstitucionalidade da Procuradoria Geral da
República, como foi a transformação do antigo cargo de técnico do Tesouro
Nacional, de nível médio, em cargo de analista tributário da Receita Federal,
de nível superior. A procuradoria do BC entende que a mudança pretendida pela
instituição é diferente porque não implica transformar o cargo de técnico em
outro cargo; apenas exige escolaridade superior para o próprio cargo nos
próximos concursos.
Trem da alegria
Além de risco fiscal, a AUD-TCU e a ATNC veem
inconstitucionalidade no artigo 55. Segundo Luciene Pereira, pessoas aprovadas
em concurso para cargo de nível médio passarão a ocupar, sem novo concurso,
cargo de nível superior. Isso afronta a Constituição Federal e caracteriza
“trem da alegria”, diz ela. Para ela, o certo seria colocar os atuais técnicos
do BC num quadro em extinção, que duraria até o último deles se aposentar. Mas
o PLV não faz isso. Os técnicos que fossem aprovados em concursos já com
exigência de curso superior entrariam em outro quadro, com denominação
diferente e que os antigos teriam que disputar se não quisessem ficar no quadro
em extinção.
(Mônica Izaguirre - Especial para o Correio)