BSPF - 08/09/2017
Parece haver uma ação harmônica entre os poderes, numa
espécie de distribuição de tarefas entre as instituições estatais, de tal modo
que cada um deles cuida de aspectos específicos, porém complementares.
A posse e efetivação de Michel Temer – ao contrário do que o
senso comum imagina, influenciado por notícias sobre divergências pontuais
entre autoridades dos três poderes e órgãos de controle – resultou num arranjo
em que os poderes cooperam e até dividem tarefas e atribuições na implementação
da agenda do novo governo.
Nesse novo arranjo, parece haver uma ação harmônica entre os
poderes, numa espécie de distribuição de tarefas entre as instituições
estatais, de tal modo que cada um deles cuida de aspectos específicos, porém
complementares.
Ao Poder Executivo competiria fazer a coordenação geral e
cuidar, especialmente, do aspecto fiscal (corte de despesas e aumento de
receitas extraordinárias); ao Legislativo competiria contribuir para a melhoria
do ambiente de negócio (suprimir ou flexibilizar direitos, rever marcos
regulatórios na economia e abrir a economia ao capital privado nacional e
estrangeiro); e ao Judiciário, com seu ativismo judicial, contribuir com a
missão dos dois outros poderes.
Nesse diapasão, o Poder Executivo tem centrado sua atuação e
prioridade na pauta fiscalista, tendo proposto ou apoiado as seguintes
iniciativas:
1) aprovação da Emenda à Constituição (EC) 93, que altera o
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para prorrogar a desvinculação
de receitas da União e estabelecer a desvinculação de receitas dos estados,
Distrito Federal e municípios, ampliando de 20% para 30% das receitas, e
estendendo essa possibilidade aos estados (DRU);
2) apresentação e aprovação da Emenda à Constituição 95, que
altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir Novo
Regime Fiscal, e dá outras providências (Congelamento do gasto público por 20
anos);
3) apresentação da Proposta de Emenda à Constituição 287/16,
que trata da reforma da Previdência, e modifica, para pior, os três fundamentos
do benefício: 1) a idade, que aumenta, 2) o tempo de contribuição, que aumenta,
e 3) o valor do benefício, que reduz;
4) aprovação e sanção da Lei 13.291/16, que altera a meta
fiscal de 2016 (na qual o governo fez incluir no artigo 3º a regra de
congelamento, em termos reais, do gasto público, antes mesmo da EC 95);
5) regulamentação da Lei 13.254/16, que tratou da
repatriação de recursos;
6) edição da Medida Provisória (MP) 746/16, sancionada como
Lei 13.415/17, que trata da reforma do médio;
7) propor a mudança da meta fiscal para 2017 e 2018;
Em relação ao servidor público, propôs:
8) apresentação e aprovação da Lei Complementar 156/16, que
dispõe sobre a renegociação de dívidas dos estados com a União e a
possibilidade de privatização de empresas públicas de energia elétrica, água,
gás e o congelamento de salário de servidores estaduais;
9 apresentação e aprovação da Lei Complementar 159/17, que
trata da recuperação fiscal dos estados com venda de empresas públicas das
áreas de saneamento, gás e bancos estaduais;
10) Programa de Demissão Incentivada (PDV) no serviço
público, com licença incentivada e redução de jornada com redução de salário
(MP 792/17);
11) adiamento/cancelamento dos reajustes previstos para 2018
de 23 categorias e não previsão de novos reajustes – prazo de envio de projetos
com esse objetivo é 30 de agosto;
12) reestruturação de carreiras com ajustes para fixação de
salário inicial em R$ 5 mil, além de revisão de pagamentos de verbas como
auxílio-alimentação;
13) ampliação e adoção da terceirização no serviço público,
notadamente em estatais;
14) elevação da contribuição previdenciária dos servidores
públicos, de 11% para 14%;
15) suspensão de concursos;
16) dispensa por insuficiência de desempenho - PLP 248/98 na
Câmara, que se aprovado vai à sanção;
17) privatização, para fazer caixa, da Eletrobras, dos
Correios, da Casa da Moeda, entre outras estatais estratégicas;
18) novo Refis para fazer caixa, punindo o contribuinte que
paga seus impostos em dia.
O Poder Legislativo, por sua vez, priorizou a apresentação
ou votação de propostas que contribuam para a chamada melhoria do ambiente de
negócios, revendo marcos regulatórios, abrindo a economia ao setor privado e
acelerando a deliberação sobre a flexibilização de direitos trabalhistas,
cabendo destacar:
1) Lei 13.299/16, com mudanças nas regras de concessões para
facilitar leilões e concessões públicas de energia elétrica;
2) Lei 13.303/16, dispondo sobre o Estatuto Jurídico da
Empresa Pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias nos três
níveis de governo. Pôs fim à representação sindical e possiblidade de
indicações políticas para compor o conselho de administração de empresas
públicas e sociedades de economia mista;
3) edição da MP 727/16, sancionada como Lei 13.334/16, que
cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI);
4) edição da MP 735/16, sancionada como Lei 13.360/16, que
altera várias leis relativas aos marcos regulatórios de energia elétrica no
Brasil;
5) Lei 13.365/16, dispondo sobre o fim da Petrobras como
operadora única na exploração do petróleo na camada do Pré-sal;
6) edição da MP 744/16, sancionada como Lei 13.417/17, que
revogou o caráter público da Empresa Brasileira de Comunicação, retirando sua
autonomia frente ao Poder Executivo, claramente para favorecer a comunicação
privada;
7) votação e sanção da Lei 13.429/17, que trata da
terceirização na atividade fim da empresa;
8) edição da MP 767/17 e sanção como Lei 13.457/17, que
concede gratificação de desempenho de atividade de perito médico previdenciário
e altera benefícios do INSS com destaque para o ato de concessão ou de
reativação do auxílio-doença com fixação de prazo estimado para a duração do
benefício. Institui a chamada “alta programada” em que o benefício pode acabar
após o prazo de 120 dias contados da data de concessão ou de reativação do
auxílio-doença;
9) votação e sanção da Lei 13.476/17, sobre a reforma
trabalhista, que reduz custos do empregador, facilita a precarização das
relações de trabalho, amplia o lucro e a competitividade das empresas e
enfraquece a representação sindical, além de:
9.1) restringir o acesso à Justiça do Trabalho,
9.2) retirar poderes e atribuições dos sindicatos,
9.3) ampliar a negociação coletiva sem o limite ou a
proteção da lei,
10) adoção de novos modelos de contratos de trabalho, em
especial: o autônomo exclusivo e o intermitente; e
11) edição da MP 784/17, que impede a punição de crimes do
sistema financeiro, ao autorizar o acordo de leniência em razão de crimes
cometidos por banqueiros;
12) edição da MP 793/17, que faz concessões tributárias aos
ruralistas em troca de voto pela rejeição da denúncia por corrupção passiva do
presidente da República. A denúncia, apresentada pelo Procurador-Geral da
República foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal com pedido à Câmara de
autorização para investigar o presidente, mas a Casa rejeitou o pedido;
13) aprovação do requerimento de urgência para o PLP 268/15,
que trata das regras de governança dos fundos de pensão, reduzindo a
participação dos participantes e patrocinadores nos fundos de pensão para
permitir a presença de profissionais de mercado nos conselhos deliberativo e
fiscal dessas entidades de previdência complementar.
O Poder Judiciário, nessa mesma linha, julgou no STF várias
matérias em sintonia com a agenda do novo governo:
1) fim da desaposentadoria (RE 381.367, 661.256 e 827.833).
Os ministros entenderam que apenas por meio de lei é possível fixar critérios
para que os benefícios sejam recalculados com base em novas contribuições
decorrentes da permanência ou volta do trabalhador ao mercado de trabalho após
concessão da aposentadoria.
2) desconto dos dias parados em caso de greve de servidor
(RE 693.456);
3) fim da ultratividade de normas de acordos e de convenções
coletivas. Necessidade de um novo acordo coletivo para revogar o anterior (ADPF
323);
4) quitação plena dos Programas de Desligamento Voluntário
(PDV) ou Programa de Demissão Incentiva (PDI) - (RE 590.415); e
5) prevalência do negociado sobre o legislado em relação as
horas in itinere (RE 895.759).
A consequência desse arranjo, em torno da agenda neoliberal,
resultará na revisão do papel do Estado brasileiro, que se voltará mais para
garantir o direito de propriedade, assegurar o cumprimento de acordos e honrar
os compromissos com os credores das dívidas interna e externa, além de
contratar serviços nas áreas de saúde, educação e segurança no setor privado,
do que para corrigir desigualdades, regionais e de renda, promover inclusão
social, prestar serviços públicos de qualidade e formular políticas públicas de
interesse social.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo no
jornal O Globo do dia 5/2/2017, afirma que “adotar políticas que favoreçam mais
ao capital do que ao trabalho, ou vice-versa, depende da orientação política do
governo”. E o governo Temer, cuja agenda foi apropriada pelo capital, comprova
o que afirma FHC.
Por Antônio Augusto de Queiroz
Antônio Augusto de Queiroz é Jornalista, analista político e
diretor de Documentação do Diap
Fonte: Agência DIAP