BSPF - 22/10/2017
Defesa alega a necessidade de critérios para a avaliação do
desempenho dos servidores, já os opositores veem a medida como uma perseguição
O sonho de alcançar uma vaga no serviço público é uma
constante na sociedade. Emprego considerado estável e bons salários atraem a
quem busca um bom horizonte profissional. Mas por outro lado, o funcionalismo
público, em sua execução, é apontado, muitas vezes, por ser ineficiente na
prestação de serviços. Por conta dessa última característica, a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou regras para a demissão de
servidor público estável por "insuficiência de desempenho",
aplicáveis a todos os Poderes, nos níveis federal, estadual e municipal. A
regulamentação tem gerado debates na sociedade e é apontada por centrais
sindicais como uma forma de desmobilizar e perseguir o servidor.
Em sua justificativa para o projeto, a autora do PL,
senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), alega que, quase 20 anos depois da
promulgação da Constituição Federal, o Parlamento "se mantém inerte ao
mandamento constitucional" que determina a regulamentação de critérios
para a avaliação periódica do desempenho dos servidores públicos. A senadora
argumenta também que a "sociedade se sente lesada" ao pagar
"pesados tributos" sem o retorno do investimento em bens e serviços.
Mas para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no
Serviço Público Federal no Estado do Piauí, Paulo Bezerra, a regulamentação não
tem caráter apenas de tentar apontar melhorias no serviço público, mas é uma
forma de perseguir o trabalhador. “Nós estamos vendo um cunho de perseguição
política e isso demostra a falência do Estado na responsabilidade da administração
pública. O Estado não quer mais ter responsabilidade com o serviço público,
quer sair das suas obrigações constitucionais.
O representante dos servidores federais alega, inclusive,
que já existem mecanismos legais para a avaliação do servidor e sua eventual
exoneração no regime disciplinar da Lei 8.112/1990.
“O que está colocado para a população é que os empregados
públicos não atendem à necessidade, mas veja só, para nós que temos
conhecimento da realidade de todos os órgãos públicos do Brasil, sabemos muito
bem que nenhum desse processo de degradação e oferta de serviço passa pela
questão do servidor”, destaca Paulo.
O sindicalista cita ainda que a pouca oferta de capacitação,
ambiente de trabalho sem estrutura devida e jornadas exaustivas de trabalho
contribuem para o quadro de falência com que funcionam determinados órgãos
públicos.
Para os usuários, há necessidade de um maior controle no
trabalho do servidor, mas principalmente uma oferta de estrutura que atenda às
demandas da população. É o que pensa o trabalhador Luís Carlos. “É preciso de
equipamentos e mais pessoas”, destaca.
Projeto pode ser inconstitucional, avalia especialista em
direito público
Pelo texto aprovado, o desempenho funcional dos servidores
deverá ser apurado anualmente por uma comissão avaliadora e levar em conta,
entre outros fatores, a produtividade e a qualidade do serviço. Campelo Filho,
advogado e mestre em Direito Público, destaca que a nova regulamentação traz
vantagens, mas também abre precedentes para a má utilização dos crité- rios.
Além disso, o jurista analisa que a lei pode ser inconstitucional.
“A lei não é clara, já que diz que cada entidade deverá
estabelecer seus critérios, estabelecer suas regras para análise do desempenho.
Quando eu dou essa brecha para que cada entidade crie seu método, eu abro
espaço para padrões que podem levar a perseguir. Inclusive ela pode ser inconstitucional
nesse ponto”, destaca.
Campelo exemplifica: um funcionário que pertence a um
determinado órgão público em uma localidade; ao analisar outro que também
realiza a mesma atividade em outro órgão público, em outra localidade, ao
deixar o gestor público criar critérios particulares, essas determinações
‘personalizadas’ podem ser mais rígidas para alguns que para outros. “Então,
não há uma padronização de exigências. Isso gera uma desigualdade na lei e essa
desigualdade fere a Constituição, o princípio da igualdade”, explica.
Mas a regulamentação não recebe só críticas do especialista.
Segundo Campelo, é preciso buscar soluções e discutir uma realidade que há
muito se replica país afora. “O outro lado é que, notoriamente, o serviço
público é ruim, quem vai se utilizar muitas vezes dos atendimentos ofertados
sabe que os prazos não são cumpridos, que há morosidade. Isso também está
ligado ao fato da pouca produtividade. Então, por esse lado, estabelecer metas
para o servidor público, que são importantes, como a assiduidade do servidor,
capacitação, por este lado a lei é positiva, porque cria algo mais direto”,
considera.
A análise do jurista ainda se debruça sobre a pouca
efetividade da lei, mesmo que aplicada. Campelo Filho lembra que é preciso uma
mudança de cultura na sociedade em encarar a atividade pública com compromisso
e necessidade de dedicação. “Às vezes, vemos pessoas que sonham em passar em um
concurso e, ao alcançarem o sonho, têm o ideal de ‘bom, agora estou com a vida
ganha, trabalhar pouco e ganhar bem’, quando, na verdade, agora que a dedicação
teria de ser maior para ofertar um serviço à altura do que ele batalhou para
conseguir”, finaliza.
O que diz a lei
De acordo com o substitutivo, a apuração do desempenho do
funcionalismo deverá ser feita entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano
seguinte. Produtividade e qualidade serão os fatores avaliativos fixos,
associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos em função das
principais atividades exercidas pelo servidor no período. Estão listados, entre
outros, “inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no usuário/
cidadão”.
A ideia é que os fatores de avaliação fixos contribuam com
até metade da nota final apurada. Os fatores variáveis deverão corresponder,
cada um, a até 10% da nota. A depender da nota final, dentro da faixa de zero a
dez, o desempenho funcional será conceituado dentro da seguinte escala:
superação (S), igual ou superior a oito pontos; atendimento (A), igual ou
superior a cinco e inferior a oito pontos; atendimento parcial (P), igual ou
superior a três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento (N), inferior
a três pontos.
Servidores cobram oportunidade de capacitação e condições de
trabalho
Na mira da lei, os servidores públicos têm opiniões
distintas quanto ao que propõe o projeto de lei que cobra desempenho. Para quem
vive a realidade do serviço público, a mudança não deve ser apenas no modus
operandi do funcionário, mas em toda a estrutura ofertada.
Para Delianeide Pereira, funcionária pública há mais de 20
anos, as mudanças devem acontecer de forma estrutural. Segundo ela, o próprio
sistema não oferta condições de trabalho ao servidor.
“Quando nos deparamos com essa situação, sabemos que é uma
mudança que vai penalizar apenas o servidor, mas o Governo não leva em
consideração que, quando ele chega em um ambiente de trabalho, muitas vezes,
ele não dispõe nem de um computador. As condições de trabalho são fundamentais
para a gente melhorar essa produtividade e, a formação continuada, temos que
batalhar muito por esse item, através de concurso, através de carreira, que eu
sou contra essa indicação da terceirização. É fundamental investir na carreira
do servidor público”, defende.
Opinião também corroborada pelo servidor público Antunes
Leal, que trabalha com atendimento ao público. Na opinião do trabalhador,
analisar produtividade é essencial, mas é preciso que se dê oportunidade de
realizar um trabalho digno. “De que adianta cobrar do servidor se não existem
trabalhadores suficientes ou estrutura de trabalho. Ninguém é super herói para
dar conta de toda a demanda que existe”, finaliza.
Por: Glenda Uchôa
Fonte: Portal O Dia