BSPF - 07/12/2017
Sim! O atual presidente não é popular, não existe
financiamento de campanha, não há satisfação popular nem as perspectivas são
boas para o povo, e os parlamentares já votaram matérias impopulares – como a
Reforma Trabalhista e o Congelamento do Gasto Público – e comprometeram suas
biografias votando pela absolvição de denunciados por vários crimes, inclusive
formação de quadrilha, e que, portanto, o eleitor não irá tolerar que votem
mais 1 vez contra a maioria do povo, aprovando uma reforma da Previdência que
pune servidores, trabalhadores do setor privado, e beneficia bancos e seguradas
privadas.
Todos estão de acordo sobre a necessidade de adequação da
legislação previdenciária aos indicadores demográficos e também aos critérios
financeiros e atuariais, mas o que se está fazendo nesse momento é pura
mistificação.
Sob o pretexto de evitar a falência do sistema
previdenciário, governo, empresários, Banco Mundial, imprensa e até
funcionários públicos se somam para mentir para a população, passando a falsa
ideia de que, uma vez feita a reforma da Previdência, as finanças públicas
voltam a ficar em ordem, já que se enfrentaria um déficit monumental.
A alegação é de que com as atuais despesas previdenciárias
não sobram recursos para a educação, a saúde ou a segurança, passando a ideia
de que seria possível ampliar o gasto com essas outras rubricas, desde que se
fizesse uma reforma na Previdência. É mentira!
Desde que entrou em vigor a Emenda à Constituição (EC) 95,
que congela o gasto público em termos reais por 20 anos, o orçamento terá como
parâmetro a despesa do ano anterior, corrigida pelo IPCA, e não mais a receita.
Logo, mesmo que haja aumento da receita não pode haver aumento de gasto, já que
toda a receita nova será destinada a abater déficits ou, na ausência destes,
gerar superávit e utilizá-lo, integralmente, no pagamento dos juros e do
principal das dívidas interna e externa – dívida pública.
Nessa campanha pela reforma da Previdência,
propositadamente, misturam dados e informações sobre supostos rombos que não
serão resolvidos pela reforma, já que os benefícios em usufruto, tanto no setor
público quanto no setor privado, vão continuar sendo pagos e não existe reforma
ou mágica que faça essa despesa desaparecer, como querem fazer crer os
defensores da reforma já e a qualquer custo.
A diferença hoje existente entre o que se arrecada do
servidor e do ente público, na medida em que não houve reserva ao longo das
décadas de pagamento de contribuição antes do usufruto do benefício, vai
continuar existindo para os atuais aposentados e pensionistas, porque o sistema
de repartição requer reposição de quadros, e isto não tem sido feito,
especialmente nos governos neoliberais. Aliás, a própria EC 95 exclui do
computo da despesa, para fins de limites, a contratação de pessoal para
substituir quem se aposentou.
Para manter um benefício de um aposentado ou pensionista, é
necessária a contribuição de pelo menos quatro ativos, e hoje a relação é
praticamente de 1 por 1 no serviço público e de 2,5 por 1 no Regime Geral
(INSS). Logo, num sistema desses, considerando só a receita atual de
contribuições, haverá déficits e não tem reforma que resolva isso, exceto se
cortar os benefícios.
Assim, utilizar uma informação que não será afetada pela
reforma para justificar sua realização é, no mínimo, desonestidade intelectual.
Qualquer reforma que se faça poderá retardar aposentadoria e até reduzir o
valor das aposentadorias e pensões daqueles que ainda não preencheram os
requisitos para fazer jus ao benefício, mas nenhum impacto terá, a curto prazo,
em relação aos supostos “déficits” atuais.
Promover ajustes no sistema previdenciário, com respeito aos
direitos adquiridos e aos direitos acumulados, com regras de transição para os
que estão em processo de aquisição de direito, e com novas regras para os
futuros segurados, é fundamental, mas respeitando-se a isonomia entre os 2
sistemas (regimes próprios do servidores e regime geral) e não utilizando o
argumento da isonomia e aplicando critérios distintos, com desfavor dos atuais
e futuros servidores.
Alguma reforma é necessária, porque, embora já tenha sido
feita para os servidores públicos federais – com adoção de idade mínima e a
quebra da paridade e integralidade para os que ingressaram entre 2004 e 2013 e
a limitação dos benefícios ao teto do INSS, desde que foi criada a Previdência
Complementar da União em 2013 – alguns estados e municípios ainda não adotaram
a Previdência Complementar e no INSS não existe idade mínima, ainda que a
formula 85/95 leve a uma idade mínima e o fator previdenciário reduza
drasticamente o benefício de quem se aposente antes de completar 60 anos de
idade, mesmo tendo mais de 30 de contribuição.
O fato de reconhecer a necessidade de alguma reforma não
significa que seja feita a toque de caixa e com agressão a direitos, até porque
não produzirá nenhuma economia significativa a curto prazo e se prestará, no
formato apresentado, para privatizar a Previdência Pública, abrindo mercado
para os bancos e seguradoras privadas. Pode-se, perfeitamente, esperar 1
governo legítimo para fazê-la, com respeito à expectativa de direito e sem o
objetivo de punir determinados segmentos dos assalariados nem de favorecer
bancos e seguradoras privadas, como é o caso da atual reforma, inclusive em sua
versão “enxuta”.
Para levar a cabo a reforma da Previdência, que faz parte de
mais 1 entrega desse governo ao mercado financeiro, o governo mente, manipula
dados e envolve até inocentes úteis nesse processo, como determinados
funcionários púbicos, que emprestam sua capacidade intelectual para manipular
informações sem a devida contextualização.
Quando se afirma que os deputados que votaram a favor da
reforma da Previdência de FHC, em 1998, tiveram melhor desempenho nas urnas que
aqueles que votaram contra, sem informar que naquele período havia
financiamento empresarial de campanha, o ambiente era de satisfação popular com
o Plano Real e o presidente FHC era muito popular e candidato à reeleição – e
que o governo e o mercado compensaram regiamente os parlamentares com
perspectiva de poder e recursos de campanha pelo apoio à reforma – está-se induzindo
os atuais deputados a votarem a favor sob o fundamento de que, com isso, vão
renovar seus mandatos.
Mas o atual presidente não é popular, não existe
financiamento de campanha, não há satisfação popular nem as perspectivas são
boas para o povo, e os parlamentares já votaram matérias impopulares – como a
Reforma Trabalhista e o Congelamento Do Gasto Público – e comprometeram suas
biografias votando pela absolvição de denunciados por vários crimes, inclusive
formação de quadrilha, e que, portanto, o eleitor não irá tolerar que votem
mais 1 vez contra a maioria do povo, aprovando uma reforma da Previdência que
pune servidores, trabalhadores do setor privado, e beneficia bancos e seguradas
privadas.
Outra manipulação em curso, também com fins de favorecer o
mercado, é a campanha de combate aos supostos privilégios dos servidores
públicos, porque facilita o desmonte do Estado e a entrada do mercado na venda
e prestação de serviços públicos. Depois que a onda pseudomoralista do combate
à corrupção cumpriu seu papel, ou seja, afastou a presidente Dilma e permitiu
aprovar várias reformas pró-mercado, agora precisa estancar a Lava Jato, que
avança além do PT, pegando seus próprios incentivadores. Para esvazia-la nada
melhor que escolher outro inimigo, no caso os servidores públicos.
O momento requer reflexão. Todo o apoio da mídia e do
mercado à reforma, nessa reta final da sessão legislativa, também tem o
objetivo de desviar o foco das proposições que aumentam desonerações como a MP
795 que promove uma trilionária desoneração do setor de petróleo e gás, ou que
podem aumentar receitas públicas – poupando o empresariado do pagamento de
algumas dezenas de bilhões em tributos – como é o caso da MP que tributa os
fundos fechados de investimento, e do projeto de lei que trata da reoneração da
folha, que deixarão de ser votados e isentam o setor empresarial do pagamento
desses tributos já a partir de 2018.
A reforma – exceto se todos os partidos da base fecharem
questão, o governo liberar mais recursos do que irá economizar com ela – não
será aprovada, mas fortalece determinadas figuras públicas perante o mercado e,
mais importante, isenta este (o mercado) do aumento de tributos no ano de 2018,
porque todo o foco e esforço foi deslocado para a reforma, mesmo sabendo que
ela não teria chances reais de aprovação.
Por Antônio Augusto de Queiroz
Antônio Augusto de Queiroz é Jornalista, analista político e
diretor de Documentação do Diap
Fonte: Diap