Blog do Vicente
- 17/05/2018
Após ser demitido depois de 41 dias à frente da Geap Saúde,
Roberto Sergio Fontenele Cândido afirma, em entrevista exclusiva ao Blog, que,
se a gestão temerária continuar, a Geap vai quebrar. Ele ressalta que a
operadora dos planos de saúde dos servidores públicos federais se transformou
em cabide de empregos. Segundo ele, indicações políticas são uma realidade na
Geap e a maioria delas é feita por imposição do presidente substituto do
Conselho de Administração, Manoel Messias, ligado ao Partido Progressista (PP).
“Ele me perturbou durante dias para empregar sete pessoas, sem a devida
qualificação e com salários a partir de R$ 10 mil, mesmo sabendo que há um excedente
de mais de 280 colaboradores”, diz.
Fontenele ainda alertou que a sua equipe identificou
problemas na folha de pagamentos da Geap. Empregados com a mesma atribuição têm
salários desiguais. “Há, sim, dezenas de profissionais remunerados acima dos valores
adequados para seus cargos. Gozam de enquadramentos que excedem as regras
previstas no plano atual. Assessor ganhando mais que assessor. Diretor ganhando
mais que diretor executivo”, frisa. Nas contas do ex-diretor executivo, a
operadora precisa de R$ 130 milhões em caixa até junho e deve ser administrada
com seriedade para que não seja liquidada pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O que causou a demissão do senhor e de toda a sua equipe?
Quantas pessoas o senhor levou para a Geap?
Não tive oportunidade de saber os motivos reais da minha
demissão. E quem me demitiu, nem me conhece. Ao aceitar o desafio de recuperar
a Geap, fiz questão de levar profissionais especializados em planejamento, em
gestão e em assessoramento. Apresentei os currículos das pessoas que indicaria.
Não houve qualquer óbice. Substituí 14 profissionais, no total. Não parece
muito para uma fundação que atua em território nacional e tem mais de 1.700
colaboradores. Como disse, até agora não entendi os motivos da minha demissão.
A Geap Saúde atribui a sua demissão ao áudio em que o senhor
diz que médicos e hospitais roubam os planos de saúde. Isso pesou contra o
senhor?
Não. Apesar de ter sido gravado em uma reunião interna e,
por isso, ter mais liberdade com as palavras, o áudio tem sido usado como
pretexto. Lamento que tudo isso esteja sendo provocado por um senhor
autoritário, que, à revelia de normativos regimentais, ignora as atribuições do
colegiado (conjunto de conselheiros) e aplica suas vontades de maneira
autocrática e arbitrária. Ele me obrigou, assim como fez com a chefe da
auditoria e outros colaboradores da Geap, a assinar, sumariamente, o documento
de demissão. Mais um desrespeito às regras da Casa. Um conselheiro não pode demitir
um empregado da Geap. Vale dizer que, em discordância com essa prática ilegal,
não assinei minha demissão.
Quem convidou o senhor para assumir a Geap?
Fui convidado pelo chefe de gabinete do Ministro da Saúde. O
meu currículo foi selecionado entre outros, creio eu. Imaginava que fosse para
mostrar, inicialmente, a eficácia da nossa gestão à maior base de beneficiários
da Geap: a de servidores do ministério. Mas, diante de tudo o que vivi, passei
a não compreender mais. Por que me impediram de continuar o que começou tão
bem? Gostaria de entender melhor.
O senhor tem ligação com algum político ou algum partido?
Não. Após o convite recebido e aceito, mergulhei, conforme
combinado, no processo de recuperação da Geap. Fazer levantamentos e diagnósticos
foi a minha rotina e a da minha equipe por longos 20 dias. Importante citar que
não tínhamos briefing e outras informações sobre interesses e participações de
políticos naquele ambiente. E isso se deu porque não tenho qualquer vínculo ou
padrinho político. Sequer fui entrevistado por um parlamentar para ali estar.
O senhor recebeu indicações de políticos para preencher
cargos na Geap? Quem são os políticos?
Tomamos conhecimento, ao longo do mês de abril, que há
“territórios políticos” na Geap. Não imaginava é que seria monitorado, gravado
e derrubado antes mesmo de fazer as mudanças estruturais na organização.
Recebi, sim, várias indicações e recomendações para que não fossem feitas
mudanças. Porém, imposições vieram mesmo do conselheiro Manoel Messias. Ele me
perturbou durante dias para empregar sete pessoas sem a devida qualificação e
com salários a partir de R$ 10 mil, mesmo sabendo que há um excedente de mais
de 280 colaboradores.
A Geap virou um cabide de empregos?
Infelizmente. Certamente é possível e necessário
profissionalizar a gestão da Geap. O que explica, em parte, o atual quadro da
empresa. Em poucos dias retomamos a discussão sobre um novo plano de cargos e
salários, bem como a implantação de Compliance e o desenho de um planejamento
estratégico para o período de 5 anos (2018/2022). Imagina uma fundação do
tamanho da Geap não ter qualquer desses instrumentos de gestão e controle
devidamente implementados na sua governança? As sucessivas gestões fizeram
“inchar” o quadro de colaboradores e mantiveram pessoas com muita deficiência
técnica e de motivações duvidosas em postos estratégicos.
Vocês identificaram irregularidades na folha de pagamento?
Soube que empregados com as mesmas atribuições tinham
salários desiguais. Confesso que me tocaram muito os problemas de RH. Sou
especialista nisso. Já havia mapeado uma série de distorções, mas não houve
tempo hábil de corrigi-las. A questão das diferenças salariais para atribuições
semelhantes deve ser corrigida imediatamente, pois a Geap paga um preço muito
alto em processos judiciais (indenizações). Há, sim, dezenas de profissionais
remunerados acima dos valores adequados para seus cargos. Gozam de enquadramentos
que excedem as regras previstas no plano atual. Assessor ganhando mais que
assessor. Diretor ganhando mais que diretor executivo. Soma-se a isso “a
estabilidade” de pessoas que, a rigor, não tem respaldo jurídico, comprometendo
ainda mais a gestão da operadora.
A sua demissão foi ilegal, na sua avaliação?
Sim. Feriu todas as regras estatutárias. Admissões e
demissões fazem parte do mundo corporativo, entretanto, da forma como foi
realizada a demissão coletiva, para nós, caracterizou imaturidade e
irresponsabilidade do conselheiro Manoel Messias O papel do Conselho de
Administração não é fazer gestão, mas pensar os rumos institucionais e garantir
a transparência e a credibilidade aos beneficiários da operadora. Da mesma
forma, a demissão autocrática da gerente de auditoria da empresa que, havia
anos, prestava esse serviço à Geap nos mesmos moldes, revela outra
irresponsabilidade deste conselheiro.
Há indícios de contratos superfaturados ou desnecessários,
como o IBBCA, Benner, entre outros? Que irregularidades os senhores
identificaram nos 41 dias de trabalho?
A Geap não estaria passando por essas dificuldades se fosse
administrada de maneira séria. Essa minha afirmativa não desmerece centenas de
excelentes profissionais que, há anos, cuidam da Geap, profissionais alocados
na diretoria executiva e nas gerências regionais. O problema central é de
comando, com certeza. Quanto aos contratos citados, como o IBBCA, procurem
esclarecer com a diretora Luciana Carvalho. Ela sabe de tudo, a começar pela
contratação das empresas que prestam serviços. Ela foi uma grande aliada no
repasse de algumas informações. Quando tentamos notificar e cancelar alguns
contratos, verificamos o grau de dificuldade. Se essas providências forem
mantidas, vão gerar economia de milhões de reais já 2018.
O senhor sabe dizer quantos contratos nocivos à Geap foram
notificados?
As análises estavam sendo levadas a efeito por uma equipe
técnica. Quantos são nocivos, não sei dizer. Mesmo porque nos limitamos a
trabalhar inicialmente nos contratos administrativos da diretoria executiva,
que correspondem a 150 documentos aproximadamente. Um percentual muito pequeno
comparado às gerências regionais, com outros tantos. Alerto aos membros do
Conselho Fiscal, pessoas experientes e responsáveis, que tenham a diligência em
verificar se há verdade nisso, e de forma urgente. Caso isso seja confirmado,
as suas perguntas anteriores terão uma resposta mais assertiva quanto a
continuidade de contratos nocivos à Geap.
O senhor acha que foi demitido por contrariar interesses
políticos e de empresas que prestam serviço à Geap?
Não tive qualquer oportunidade de diálogo, de expressão, de
interação para a construção do processo de continuidade. Sequer participei da
reunião extraordinária dos conselheiros e nem da reunião Ordinária, que ocorreu
na mesma data de minha destituição, pois fui desarticulado antes pela
arbitrariedade do conselheiro Manoel Messias. E endosso: o nosso maior
propósito junto a minha equipe sempre foi o de cuidar dos beneficiários. Ponto.
Soube por um conselheiro que a auditora ligada ao conselho
de administração teria sido demitida por se recusar a alterar um relatório.
Isso, de fato, ocorreu?
Olha, eu não tive contato com ela depois que saí. Antes,
sim. A profissional em questão demonstrou seriedade na discussão dos trabalhos
afetos à sua equipe e fez com que eu me identificasse com a sua postura séria e
profissional. Combinava com o modelo de nossa gestão: apuração, correção, ação
transparente. O papel dos conselhos é o de governabilidade, e essa atitude
individualizada não condiz com a sua responsabilidade.
A Geap tem solução? É possível equilibrar as contas da
operadora?
Acreditávamos que sim. Afinal, juntamente comigo, vários
profissionais especializados, somados a um grupo de bons colaboradores pratas
da casa, fariam, certamente um grande trabalho. Tendo saído, se não houver uma
recomposição a altura, sem falsa modéstia, não terá solução. Se a gestão
temerária continuar, a Geap vai quebrar. A quem interessa isso? Por que
mantê-la nessas condições administrativas tão precárias? Isso eu não consigo
responder.
Qual sua opinião sobre uma eventual intervenção da ANS na
Geap?
Talvez seja a solução, mas deve ser avaliada dentro da Lei.
Por outro lado, fazer intervenção e não oxigenar a carteira (com novos clientes
corporativos) dará o mesmo resultado: faltará recurso para sanar os
compromissos. Finalmente, se não for pra Geap ser efetivamente dos
beneficiários, que ela honre seus compromissos e que não seja de mais ninguém.
Os beneficiários da Geap, em sua maioria com idades avançadas, merecem
respeito.