Correio Braziliense
- 25/11/2018
A questão da Previdência é complicada. Mas o que significa
isso, capitão? Fosse já general e veria claramente que essa é a batalha
decisiva. Uma vez perdida, a derrota será o triste destino. Aliás, a questão da
Previdência, além de econômica, é moral. Onde já se viu o servidor público
civil ou militar, com dedicação integral, aposentar-se sine die com os mesmos
vencimentos da ativa, e o restante, empregadores e empregados, receberem
miseráveis proventos após a vida ativa? São dois Brasis? A
"nomenclatura" resistirá à sua vontade?
Enquanto no setor privado a média das aposentadorias pagas
pelo INSS é de R$ 1.659 (dados de 2014), no serviço público chega a R$ 7 mil
(Executivo), R$ 18 mil (Ministério Público), R$ 26,3 mil (Judiciário) e R$ 28,5
mil (Legislativo). Os tetos das aposentadorias seguem o mesmo padrão: máximo de
R$ 5,530 na iniciativa privada e até mais de R$ 30 mil no setor público, há
casos de 90 mil, principalmente nos Tribunais de Justiça. No INSS, 25 milhões
de aposentados e pensionistas produzem deficit de R$ 46,8 bilhões. No serviço
público, 2,878 milhões de funcionários (oito vezes menos do que no setor
privado) custam R$ 133,4 bilhões.
Dados em coluna da Fiemg no jornal O Estado de Minas nos
mostram como está a situação: "O número de aposentados cresce em ritmo de
3,5% ao ano, enquanto a população em idade de trabalhar cresce apenas 0,7%
anuais. Ou seja: no final das três próximas décadas (em 2037), teremos 6% a
menos de pessoas trabalhando e 250% a mais de aposentados recebendo da
Previdência Privada. Não haverá dinheiro para pagar direitos adquiridos e muito
menos, privilégios adquiridos.
Vê-se já o tamanho do problema. Os funcionários públicos
arguirão diretamente direitos adquiridos (uma teoria civilista). Sou dos que
acham que, nas crises sistêmicas e guerra, inexistem direitos adquiridos contra
o Estado. Agora mesmo em 2017 (não fechamos 2018), o governo gastou 48% com a
Previdência Social e outros 22,2% com pessoal e encargos - totalizando 70% dos
desembolsos da União. Gastos sociais, apresentados à opinião pública como
vilões do Orçamento, ficam com a menor parte: Bolsa Família (2%), educação (3%)
e saúde (7%). Se a questão da Previdência não for resolvida com urgência, nem
esses pequenos percentuais teremos no futuro. E tem mais. Como a nação não cabe
no Orçamento, a dívida pública já atingiu 74% do PIB.
O que se pode esperar é óbvio: aumento da tributação federal
sobre pessoas físicas e jurídicas (PIS, Cofins, IOF, Imposto de Renda), mas já
não há espaço para aumentá-la sem prejudicar o investimento privado e o
consumo. Hoje, de toda a riqueza produzida no país, 33,7% (carga tributária)
são tomados pelo governo, que ainda tem que refinanciar pagamentos de juros da
ordem de 6% do Produto Interno Bruto (PIB), elevando continuamente a dívida
pública, que já chega a 74% do PIB. O governo gasta muito e gasta mal, como
vimos acima.
Não espere folga nem brisa, capitão. Se é estatista, não sei
(se for, estamos na pior). Cuide logo do projeto das privatizações em massa,
para fazer caixa, se não a canoa furada irá a pique. Das 146 estatais, um pouco
mais, um pouco menos, precisamos menos do que 26. As que forem de economia
mista basta ter o controle (51%) ou então repassá-las à iniciativa privada.
Dela cobraremos impostos. Se ninguém quiser ficar com algumas, o jeito é
fechar. Economia de guerra! Exemplo? A comissão gestora do trem-bala, Rio-SP
(com 150 petistas lá mamando nas tetas da nação).
O gigantismo do Estado - e dentro dele questões dramáticas
como a reforma da Previdência, a reforma tributária e tantas outras igualmente
estratégicas e urgentes - é um desafio a enfrentar rapidamente. Mas esse
desafio foi ardentemente almejado por V. Exa. Votei no seu projeto de país,
pela força de vontade e patriotismo, além de surrar o PT (falta arrancá-lo das
engrenagens do poder). Houve aceno liberal que tem de ser honrado. Se não for,
passo para a oposição, quero capitalismo, democracia e combate à corrupção, os
três juntos. A campanha esteve calçada subliminarmente nesses pilares.
Evidentemente existe a questão social. O programa Bolsa
Família e o Fies devem ser mantidos e melhorados, mas não devem existir para
sempre. O que se quer agora é a limpeza do petismo e o início de uma etapa
consistente de crescimento, sob pena de uma decepção disruptiva. A nação espera
sua energia, crescimento e melhor distribuição de renda. Um dia teremos que
cumprir o nosso destino de ser um grande país que a história prenuncia há
tempos (sem que se cumpra a profecia política por que todos ansiamos, já faz
muito tempo, mas teima em não se concretizar).
Por Sacha Calmon - Advogado, coordenador da especialização
em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG
e UFRJ