BSPF - 13/08/2019
Governo Bolsonaro: a lógica da reforma administrativa
Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério
da Economia, que tem sob sua subordinação a Secretaria de Gestão e Desempenho
de Pessoal.
Tendo como pano de fundo, a crise econômica e financeira do
Estado brasileiro e também invocando a necessidade de racionalização da força
de trabalho do Poder Executivo federal, o governo Bolsonaro pretende promover
ampla reforma administrativa, com medidas voltadas para a descentralização, a
redução do gasto governamental e a revisão do tamanho e do papel do Estado.
O novo desempenho ou a reestruturação da Administração
Pública, que incluiria medidas constitucionais e infraconstitucionais, algumas
das quais já em tramitação no Congresso Nacional, deve focar na automação e
digitalização dos serviços públicos e na redução de custos com estrutura e
pessoal. O trabalho está sendo formulado e coordenado pela Secretaria Especial
de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, que
tem sob sua subordinação a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal.
A ideia geral, dentro da lógica do ajuste fiscal,
consistiria:
1) no enxugamento máximo das estruturas e do gasto com
servidores, com extinção de órgãos, entidades, carreiras e cargos;
2) na redução do quadro de pessoal, evitando a contratação
via cargo público efetivo;
3) na redução de jornada com redução de salário;
4) na instituição de carreirão horizontal e transversal, com
mobilidade plena dos servidores;
5) na adoção de critérios de avaliação para efeito de
dispensa por insuficiência de desempenho;
6) na ampliação da contratação temporária; e
7) na autorização para a União criar fundações privadas,
organizações sociais e serviço social autônomo — cujos empregados são
contratados pela CLT — para, mediante delegação legislativa, contrato de gestão
ou mesmo convênio, prestar serviço ao Estado, especialmente nas áreas de
Seguridade (Saúde, Previdência e Assistência Social), Educação, Cultura e
Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo e Comunicação Social,
entre outros.
Além da redução das estruturas e de pessoal, bem como da
adoção dessas novas modalidades de contratação, algo que iria absorver as
atividades dos órgãos, das entidades e de carreiras extintas, o governo também
pretende:
1) intensificar a descentralização, mediante a transferência
de atribuições e responsabilidades para estados e municípios;
2) criar programas de automação e digitalização de serviços,
especialmente no campo da seguridade social;
3) terceirizar vários outros serviços públicos, inclusive na
atividade-fim, como previsto na Lei 13.429/17; e
4) regulamentar, de modo restritivo o direito de greve do
servidor público.
Esse novo desenho, na verdade, já vinha sendo implementado,
ainda que de forma tímida, porque burlava o princípio do Regime Jurídico Único.
A temática vem sendo abordada desde os governos Fernando
Collor, que criou o serviço social autônomo Associação das Pioneiras Sociais
(APS); Fernando Henrique, que qualificou como Organização Social, a Associação
de Comunicação Educativa Roquette Pinto, passando pelos governos Lula, que
criou, como serviço social autônomo, a Agência de Promoção de Exportações
(Apex); e a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI); e
enviou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 92/07 autorizando a
criação de fundações estatais de direito público ou privado para o exercício de
atividades não-exclusivas de Estado; e Dilma criou novas organizações sociais,
entre essas a EmbrapII, criou o serviço social autônomo Agência Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e enviou ao Congresso proposta de
criação de outros 2 — Agência de Desenvolvimento do Matopiba (PLP 279/16) e do
Instituto Nacional de Saúde Indígena — até chegar ao governo Michel Temer
(MDB), que retomou com força as privatizações por meio do Programa de Parcerias
e Investimentos, propôs a criação da Agência Brasileira de Museus (MP 850/18) e
apoiava o Projeto de Lei 10.720/18, do senador José Serra (PSDB-SP), atualmente
em tramitação na Câmara dos Deputados, que escancara a qualificação de
entidades como organizações sociais, habilitadas a prestar serviço ao Estado em
diversas áreas.
Entretanto, no governo Bolsonaro, o que era exceção, tende a
virar regra. Além da elaboração de emenda à Constituição, de medidas
provisórias, de projetos de lei e decretos do Poder Executivo, o plano governamental
é aproveitar alguns projetos em tramitação no Congresso para acelerar a
implementação da reforma administrativa.
Entre esses, o governo deve apoiar a aprovação:
1) dos projetos de lei complementar (PLP) 248/98 (leia
mais), em fase final de tramitação na Câmara, e o PLP 116/17, da senadora Maria
do Carmo Alves (DEM-SE), em regime de urgência no Senado, que tratam da quebra
da estabilidade no serviço público;
2) do PLP 92/07, do governo Dilma, que autoriza a criação de
fundações estatais;
3) do PL 10.720/18, do senador José Serra (PSDB-SP), que
prevê novas formas de contrato de gestão, por intermédio de organizações
sociais; e
4) do PLP 268/16 (leia mais), do ex-senador Valdir Raupp
(MDB-RO), que reduz a participação dos segurados e assistidos na governança dos
fundos de pensão.
Dentro dessa nova lógica, o governo Bolsonaro já anunciou o
fim dos concursos públicos e dos reajustes salariais, propôs dura reforma da
Previdência, que retira direito de segurados, aposentados e pensionistas, e
também editou a MP 890/19, que autoriza o Poder Executivo a instituir serviço
social autônomo denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à
Saúde (Adaps), que será responsável pela execução do Programa Médicos pelo
Brasil.
O programa Future-se, anunciado pelo Ministério da Educação,
também será criado e administrado por meio da constituição de serviço social
autônomo. No Distrito Federal, ainda no governo Rollemberg, o Hospital de Base
de Brasília, um dos principais da cidade, foi transformado em 2017 em serviço
social autônomo, responsável pela prestação de assistência médica à população e
de atividades de ensino, pesquisa e gestão no campo da saúde, com o beneplácito
do Tribunal de Justiça do DF, que considerou constitucional a medida. Trata-se,
porém, de entidades regidas pelo direito privado, que não integram a
administração e não se submetem aos regramentos gerais do Serviço Público, com
pessoal contratado pela CLT e sem a necessidade de concurso público, mas apenas
processo seletivo.
A visão do governo sobre os servidores e o Serviço Público é
a pior possível. Os primeiros são vistos pelo governo como “parasitas”, que
ganham muito e trabalham pouco, além de serem aliados e estarem a serviço da
esquerda. O segundo, é associado à ineficiência e à corrupção.
Na lógica do atual governo, ressuscitando teses caras ao
neoliberalismo e à “Nova Gerência Pública”, adotada por FHC em 1995, e que
foram implementadas à larga pelos governos tucanos em todo o Brasil, adquirir
bens e serviços no setor privado é mais eficiente e mais barato que produzir
diretamente pelo Estado. Por isso, esse preconceito e investida sobre os
serviços públicos.
A julgar pelas declarações e ações do atual governo, a
reforma administrativa será a bola da vez, ou seja, o servidor e o Serviço
Público serão escolhidos como a variável do ajuste.
Aliás, o aumento de alíquotas e a progressividade da
contribuição previdenciária, combinados com a contribuição extraordinária e o
fim dos reajustes, já são sinais mais que suficientes do período de
dificuldades que se avizinha para o funcionalismo público.
É a tempestade perfeita pela combinação da crise fiscal, do
congelamento de gasto público determinado pela EC 95/16 e do preconceito
governamental com o serviço e o servidor público.
Por Antônio Augusto de Queiroz - Jornalista, analista e
consultor político, diretor de Documentação licenciado do Diap, sócio-diretor
das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e
Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.
Fonte: Agência DIAP