BSPF - 24/11/219
Ao adiar a apresentação da proposta de reforma
administrativa, a preocupação de Jair Bolsonaro é com alguns setores do
funcionalismo ou com todo o País?
A apresentação da reforma administrativa foi adiada uma vez
mais. “Vai aparecer aí, mas vai demorar um pouco”, disse o presidente Jair
Bolsonaro no domingo passado, referindo-se àquela que é considerada uma das
principais medidas de modernização do Estado prometidas pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes. Segundo Bolsonaro, a reforma administrativa “está no
forno”.
Ao mesmo tempo, enquanto o Poder Executivo federal não
define a redação final de sua proposta, setores da elite do funcionalismo
organizam-se desde já para barrar as possíveis mudanças, revelou o Estado. Essa
elite é composta por integrantes das carreiras de Estado que reúnem mais de 200
mil servidores da União, Estados e municípios.
Nessa empreitada de resistência, não há atrasos ou qualquer
tipo de ineficiência.
O texto a ser apresentado ao Congresso deve prever a redução
dos salários iniciais e a quebra da estabilidade para novos servidores.
Estuda-se a possibilidade de contratação por meio da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) nos primeiros dez anos. Um dos objetivos do Ministério da
Economia é reestruturar o plano de carreiras do funcionalismo. Diagnóstico da
equipe econômica identificou a existência hoje de mais de 300 carreiras.
O escopo mais limitado da reforma, sem mudança na
estabilidade dos atuais servidores, foi um pedido de Jair Bolsonaro à equipe
econômica, feito durante a viagem à Ásia no final de outubro, conforme revelou
o Estado.
Enquanto isso, mesmo sem o texto final da reforma, setores
do funcionalismo já iniciaram seu trabalho de resistência. Por exemplo,
representantes de diversas categorias – entre eles, delegados da Polícia
Federal, advogados públicos federais, auditores da Receita e funcionários do
Banco Central e do Ministério Público – já se encontraram com o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com o secretário de Gestão e Desempenho de
Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, um dos articuladores da
reforma administrativa no governo federal. Segundo os sindicalistas, Lenhart
teria reconhecido que ainda não há consenso em torno da proposta.
É especialmente forte a resistência em relação ao possível
fim da estabilidade. “Nós estamos muito preocupados com a estabilidade. Ela não
é da pessoa, é do cargo. Esse negócio de dizer que estabilidade é só para os
novos não faz sentido na nossa lógica”, disse o presidente do Fórum Nacional
Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
O atual regime não funciona adequadamente. Por exemplo, hoje
existe a possibilidade de demissão do funcionário público nos três primeiros
anos após a contratação, durante o chamado estágio probatório. No entanto, essa
avaliação não se traduz numa real seleção. Nos últimos quatro anos, apenas 0,3%
dos servidores que ingressaram foi exonerado durante o estágio probatório. “Os
gestores muitas vezes se negam a fazer uma avaliação real para não comprar
briga e avaliam com nota máxima”, afirmou Marques.
Outro ponto de reforma destacado pela equipe econômica são
os salários de entrada do funcionalismo. Estudo do Banco Mundial apontou que
44% dos servidores começam ganhando acima de R$ 10 mil, 22% entram com
remuneração superior a R$ 15 mil e 11% têm contracheque maior de R$ 20 mil. Nas
carreiras policiais, o salário inicial é de R$ 11,1 mil; nas de fiscalização e
controle, como auditor da Receita, de R$ 17,6 mil; e nas jurídicas, de R$ 24,1
mil.
O Estado brasileiro precisa de uma profunda reforma
administrativa. Como é óbvio, isso afeta os interesses de funcionários
públicos. Mas a reforma também afeta diretamente, não se deve esquecer, o
interesse de todos os outros brasileiros. Ou seja, se for bem trabalhada, se
houver uma adequada coordenação política, a reforma administrativa pode ser, em
vez de um ônus, um grande trunfo político. Nesse equilíbrio, a posição do
presidente da República tem um grande peso. Sua preocupação é com alguns
setores do funcionalismo ou, ao contrário, é com todo o País?
Com informações do O Estado de S. Paulo