sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Novo sistema de contratação de servidores públicos leva Brasil para antes de 88

BSPF     -     02/10/2020


Segundo Sérgio Ronaldo da Silva, a ideia de que a estabilidade é um "salvo-conduto para os servidores públicos é uma mentira". "A estabilidade é um patrimônio do serviço público para blindar os servidores que atuam de forma honesta e adequada"

A reforma administrativa do governo Bolsonaro-Guedes traz como um de seus principais pontos a extinção do Regime Jurídico Único (RJU) – atual regime de contratação dos servidores públicos – e a criação de cinco novas formas de vínculo com a administração pública. Parte do pacote de medidas econômicas do governo federal que até agora não atingiu os que estão no “andar de cima”, as novas formas de contratação de servidores públicos resgatam um funcionalismo marcado pela corrupção, pelo empreguismo, clientelismo e outras formas de patrimonialismo e fisiologismo. 

Na avaliação do secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, o governo Bolsonaro-Guedes “quer um Brasil antes de 1988”, quando o exercício do serviço público não estava vinculado ao fortalecimento da democracia, pavimentado na ampliação dos direitos sociais. 

“Eles querem um Brasil antes de 1988. Um Brasil que passe a ser esquartejado; com servidores públicos submissos a patrões e chefes. Um Brasil que abre a porteira para que parlamentares, governadores, prefeitos coloquem os ‘seus’ dentro dos órgãos públicos para serem seus guardiões. E com isso, deve voltar ao período da pré-Constituição de 1988, enfatizando o que o próprio Bolsonaro afirmou em um canal de televisão tradicional: que é inadmissível governadores e o presidente da República ganharem as eleições e não poderem colocar (nos serviços público) os ‘seus’”, afirma o sindicalista. 

Em entrevista para a Agência Brasil, o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, disse: “Hoje temos o mesmo regime de estabilidade para todos os servidores – do policial federal ao operador de videocassete. Quando a gente olha para o serviço público ao redor do mundo, principalmente aqueles que oferecem um serviço de excelência, vemos que o nosso sistema atual não é adequado”. 

Segundo Sérgio Ronaldo da Silva, a ideia de que a estabilidade é um “salvo-conduto para os servidores públicos é uma mentira”. “A estabilidade é um patrimônio do serviço público para blindar os servidores que atuam de forma honesta e desenvolvem o serviço público de forma adequada. Imagina se aquele servidor que multou Bolsonaro por pesca ilegal, em 2012, não tivesse estabilidade. No outro dia ele estaria demitido”, reforça o secretário-geral da Condsef, que lembra que a média de demissão no serviço público é de 500 servidores por ano. 

Vínculo por experiência

Com a reforma administrativa, há previsão de vínculo de experiência com o poder público. Essa modalidade teria duração de dois anos e substituiria o estágio probatório. Entretanto, pelo texto da PEC 32/2020, este tipo de vínculo é uma etapa do concurso. Neste vínculo, seriam chamadas mais pessoas do que o previsto no edital. Esse contingente disputaria as vagas oferecidas após o término do vínculo de experiência, sendo efetivados “os mais bem avaliados e qualificados durante o período”. 

“O vínculo de experiência faz parte do certame, mas quem avalia isso? Seria uma banca externa ou a própria Administração interna para qual se prestou os serviços durante o vínculo de experiência? Se for a Administração interna para qual se prestou os serviços e se esses critérios não forem extremamente objetivos, existe uma chance grande de desvio de funcionalidade nessa avaliação e, por consequência, a violação ao princípio da impessoalidade”, afirma o advogado da União Ubirajara Cassado, que também é ex-Procurador Seccional da União e ex-Diretor da Escola da AGU no Estado do Pará. A análise é feita no canal do advogado no Youtube. 

O texto ainda não deixa claro que o servidor contratado por vínculo de experiência receberá o equivalente ao cargo investido, podendo ter apenas uma espécie de ajuda de custo e não o equivalente à função que desempenha. 

Vínculo por prazo determinado

Outra forma de contratação com a reforma administrativa é o vínculo por prazo determinado. O texto da PEC 32/2020 não especifica os cargos que serão enquadrados nessa modalidade, mas deixa claro que serão contratados temporariamente servidores para os casos de “calamidade, de emergência, de paralisação de atividades essenciais ou de acúmulo transitório de serviço”, o que caminha na lógica dos contratos temporários não serem exceção do serviço público, mas regra. 

“Não há dúvidas de que os servidores da educação, assim como outras áreas estratégicas para a promoção da igualdade social, como servidores da saúde, da assistência social, por exemplo, estarão na categoria dos contratados por prazo determinado. E é importante lembrar que aqui no DF, 1/3 da categoria já está composta de contratos temporários, o que mostra a ausência de realização de concurso público para nossa área”, afirma a dirigente do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa. 

Ela alerta que, com a aprovação da reforma administrativa, os servidores com contrato temporário poderão ser ainda mais prejudicados, uma vez que as novas modalidades de contratação abrem brecha para a privatização do funcionalismo. 

“Os professores temporários do DF têm processo seletivo de validade de um ano, podendo ser prorrogado por dois. Isso já aconteceu. Foi prorrogado por dois anos, e termina agora com esse ano letivo. Estamos falando de uma possível prova em janeiro do ano que vem. Até lá, tudo pode mudar. E quem garante que, ainda mais com a reforma administrativa, não passem a contratação dos professores temporários para uma empresa? Afinal, o grande projeto dessa proposta do governo é a privatização”, contextualiza a sindicalista. 

Vínculo por prazo indeterminado e típico de estado

Pela reforma administrativa de Bolsonaro-Guedes, há também o vínculo por prazo indeterminado, modalidade que seria aplicada aos cargos “típicos de Estado”.  A PEC 32/2020 não define quais serão esses cargos. A delimitação dessas carreiras será feita por lei complementar, na segunda de três fases da reforma administrativa. Nessa modalidade de contratação, o vínculo de experiência será de, no mínimo, um ano. 

Há ainda o vínculo típico de estado, modalidade em que os selecionados passarão por dois anos de experiência como parte do concurso público. Embora não haja lei específica que designe quais são os cargos típicos de estado, há entendimento por parte de alguns setores de que estariam nesse grupo carreiras como diplomacia, inteligência de Estado, polícia e magistratura, por exemplo. 

Vínculo em cargo de liderança e assessoramento

Pela proposta do governo federal, há ainda o vínculo para cargo de liderança e assessoramento, que corresponde aos atuais cargos de confiança. Pela PEC 32/2020, são ampliadas as atribuições desses cargos, incluindo ações estratégicas, gerenciais e técnicas. Além disso, a PEC 32 retira a obrigatoriedade de parte desses cargos ser exclusivo para servidores públicos. 

“Vai virar uma porta giratória de gente que vai para o serviço público, para pontos estratégicos, para aprender como o Estado funciona, obter contatos e depois fazer lobby para o setor privado”, avalia Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), em debate virtual realizado pelo Sinpro-DF.  Segundo ele, “esses cargos com estabilidade, batizados de carreira de Estado, considerando a composição atual nos três níveis de governo, vão se limitar a algo como 8% do contingente”. “Significa que 92% dos servidores federais, estaduais e municipais ficarão sem estabilidade”, reforça Toninho. 

De acordo com o diretor do Diap, com a reforma administrativa, os atuais servidores ficariam como se fossem de carreira típica de Estado, mas sujeitos a novas regras. “Para manter a estabilidade, vai ter que passar por avaliação de desempenho regular; para ter promoção e progressão na carreira vai ter que submeter à avaliação de desempenho; não terá mais a progressão automática por tempo de serviço. E além disso, vai prejudicar a paridade, pois ao criar novas formas de vínculo, não se obriga a dar reajuste linear para todo mundo”, explica.

Fonte: CUT-DF


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