BSPF - 15/03/2021
Tema foi discutido em reunião da comissão de juristas
convidados pela Câmara dos Deputados para revisar a legislação sobre racismo
Participantes de um debate sobre o perfil étnico-racial do funcionalismo público da União defenderam uma contrapartida dos órgãos federais no que diz respeito ao cumprimento da Lei 12.990/14, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos. A expectativa de quem discutiu o assunto é que esses órgãos prestem conta periodicamente sobre como estão preenchendo esses postos, de forma que possam ser responsabilizados em caso de ilegalidades.
A regra das cotas, prevista para vigorar até 2024, estabelece também que a reserva de 20% será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso for igual ou superior a três.
Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN), Cléber Santos Vieira, o governo federal tem instrumentos para apresentar uma média aritmética. “Quantas vagas foram abertas, quantas foram disponibilizadas para o serviço público federal em cada repartição? Onde estão os negros e negras? As instituições precisam dizer quantos são”, afirmou.
Vieira participou, nesta segunda-feira (15), de videoconferência promovida pela comissão de juristas convidados pela Câmara dos Deputados para revisar a legislação sobre racismo.
Dados trazidos ao evento pela pesquisadora do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Tatiana Dias apontam para um crescimento de
funcionários públicos federais negros nos últimos 20 anos. Entre os que
ingressaram no Executivo federal em 2000, 75% eram brancos e 17%, negros. Esse
percentual mudou para 57% de brancos e 38% de negros em 2019.
Apesar do aumento, a participação negra pode ser maior ou menor, dependendo do órgão. No magistério do ensino básico, por exemplo, os negros representam 36,4% dos servidores. Esse percentual cai para 11,6% entre diplomatas, lembrando que existe uma subnotificação nessa carreira, uma vez que servidores no exterior não foram acompanhados pela pesquisa de Tatiana Dias.
“As mulheres negras estão acima de 10% apenas nas carreiras de magistério. Em carreiras de auditor da Receita, de delegado da Polícia Federal, diplomata, elas não chegam a 3% do total de servidores”, observou ainda a pesquisadora, ao fazer recorte de gênero.
Universidades
Também nas universidades federais, a situação é preocupante, segundo o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Luiz Mello. Com base em editais de concursos para professores universitários, ele informou que, entre 2014 e 2018, do total de 18.175 vagas abertas, apenas 968 (5,3%) foram reservadas para negros.
Luiz Mello acredita que poucas instituições encontraram mecanismos para implementar a reserva de vagas e defendeu “urgência de uniformização dos procedimentos relativos aos concursos públicos para docentes de universidades e institutos federais”. “O que fazer diante do término da vigência da lei?”, questionou.
A proposta da coordenadora do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Conneabs) Silvani dos Santos Valentim é pensar em como articular e organizar um segundo momento em que as instituições, as universidades, o setor público federal sejam chamados, por meio de representação, para informar o que está sendo feito e o que é possível fazer, a começar pela apresentação dos dados dos professores negros que estão nas universidades.
“Até que ponto a relação está marcada pelo racismo estrutural, porque não são chamados a dizer o que estão fazendo?”, indagou Silvani Valentim.
Chamado a opinar sobre o assunto, o advogado-geral da União
(AGU), José Levi, disse entender que as universidades federais têm autonomia
para fazer cota em duas vagas, ou seja, em um limite inferior ao que determina
a lei. Luiz Mello, no entanto, acredita ser melhor definir uma posição nacional
sobre o tema.
Na própria AGU, José Levi deu conta de que existem hoje apenas 2.355 - 24% do total de 9.801 membros dos quadros – que se declaram pretos e pardos. “É pouco. É um número mais modesto em relação à média da pesquisa mostrada.”
Para o advogado-geral, parte da solução para o problema passa de fato pela reserva de vagas em concursos públicos, mas não é só o ingresso que importa. “Também importa o subsequente desenvolvimento inclusivo nas carreiras. É preciso promover igualdade de condições, projetando para a sequência de carreira, ou seja, remoções, promoções, progressões, assunção de cargos de direção”, destacou Levi.
Comissão
A comissão de juristas foi criada em decorrência da morte de João Alberto, o consumidor negro espancado até a morte por seguranças em uma loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, em novembro do ano passado.
O grupo tem como presidente o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator é o advogado e professor Silvio de Almeida, autor do livro "Racismo estrutural".
Fonte: Agência Câmara de Notícias