BSPF - 16/03/2021
Fica claro que o governo federal jogou de forma suja e
sorrateira, agindo de forma rápida para prejudicar os servidores públicos, sem
debater tecnicamente e aproveitando-se da sensibilidade da PEC emergencial
A PEC emergencial aprovada pelo Congresso Nacional neste mês
de março surge em virtude de algumas medidas que serão adotadas pelo poder
público para o enfretamento da crise provocada pela pandemia do coronavírus,
entre elas, a instituição do novo auxílio emergencial. Porém, também surgem algumas
polêmicas que envolvem a obrigatoriedade do congelamento de salários dos
servidores públicos caso a despesa obrigatória primária de cada poder atinja
95% em relação à despesa primária total.
De toda forma, para entender a limitação da nova PEC emergencial, é preciso compreender a diferença entre despesa obrigatória primária e despesa primária total. A despesa obrigatória primária é aquela que o poder público usa para pagar custos mensais obrigatórios para a manutenção da Administração Pública, saúde, educação e servidores públicos, já a despesa primária total engloba também os investimentos públicos facultativos.
A primeira jogada sorrateira é que a inserção na PEC
emergencial de normas que tratam de servidores públicos foi feita de forma
desnecessária, uma vez que são normas restritivas dotadas de caráter duradouro,
não excepcional e que podem durar até 2036, instituindo arrochos que pouco tem
a ver com o enfrentamento da pandemia. Adicione-se que essa possibilidade de
congelamento de salários de servidores poderia ser feita em outra PEC sem a
rapidez da PEC emergencial, até porque, o dinheiro do auxílio emergencial não
pertence a mesma parte orçamentária de onde sai o dinheiro para o pagamento do
servidor público. O dinheiro do auxílio emergencial ficou fora do teto de
gastos.
Assim, a nova conjuntura, além de desnecessária, também é injusta porque torna praticamente impossível qualquer reajuste salarial dos servidores públicos por 15 anos, uma vez que a nova PEC emergencial impôs o congelamento dos reajustes caso a despesa obrigatória primária de cada poder atinja os 95%, percentual que está prestes a ser atingido em muitos órgãos em virtude do arroxo que já havia sido imposto pela Emenda Constitucional nº 95 do Teto dos Gastos aprovada em 2016 e que tem validade até 2036 (art. 107 e a nova redação do 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
É preciso também compreender a injustiça provocada pela PEC
do teto de gastos de 2016, que, ao invés de limitar o montante da despesa
primária total de forma proporcional à receita estatal, amarrou o crescimento
desse orçamento ao índice de inflação do ano anterior, situação que vai durar
20 anos contados a partir de 2016. É por isso que, mesmo que a receita
orçamentária cresça, a despesa primária total não pode crescer de forma
proporcional, pois está amarrada ao índice de inflação do ano anterior. Aí veio
o pior com essa PEC emergencial, pois dentro desse orçamento da despesa
primária total já amarrado desde 2016, surgiu uma nova limitação, uma vez que
atingidos 95% da despesa primária obrigatória, fica vedado o reajuste salarial
dos servidores. Lembrando que, pelas projeções, o índice de 95% poderá ser
atingido no poder executivo federal em 2025.
Essas restrições também são aplicáveis aos Estados e Municípios, pois, uma vez atingido o índice de 95% e caso não congelem os salários de seus servidores públicos, esses entes ficam proibidos de tomar operação de crédito e outras garantias perante o governo federal (ART. 167-G, § 3º com o art. 167-A, § 7º).
Por tudo isso, fica claro que o governo federal jogou de
forma suja e sorrateira, agindo de forma rápida para prejudicar os servidores
públicos, sem debater tecnicamente e aproveitando-se da sensibilidade da PEC emergencial.
Por Othoniel Pinheiro Neto - Doutor em Direito pela UFBA,
Defensor Público do Estado de Alagoas e Professor de Direito Constitucional
Fonte: Brasil 247