Gil Castello Branco
O Globo - 05/06/2012
Nos últimos dias, a imprensa revelou quanto o Ronaldinho
Gaúcho ganhava - ou deixava de ganhar - no Flamengo. A informação pode ajudar a
esclarecer o que está acontecendo no mais popular clube do Brasil. Além das
campanhas ruins no Campeonato Carioca e na Taça Libertadores, o rubro-negro
está inscrito no cadastro dos inadimplentes (Cadin), por pendências com a Caixa
Econômica Federal e com a Procuradoria Geral do Ministério da Fazenda. Assim,
tal como o atleta, o time vai mal no campo e fora dele.
Futebol à parte, aguarda-se a divulgação de outros salários
que despertam curiosidade: os dos funcionários públicos brasileiros. Será mesmo
verdade que um ascensorista da Câmara ganha mais do que um piloto da Força
Aérea, como circula na Web? Graças à recente Lei de Acesso à Informação cada
órgão deverá discriminar, individualmente, a remuneração e todas as vantagens
pecuniárias pagas aos servidores. Argumentos favoráveis não faltam.
Afinal, existem no país 9,4 milhões de servidores públicos
pagos pelos governos federal, estaduais e municipais, conforme estudo divulgado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado. O time de
burocratas cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. Cerca de 4,9 milhões estão nas
prefeituras e 3,5 milhões nos estados. As despesas com pessoal nas três esferas
de governo representam 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2012, mais de
R$ 200 bilhões estão previstos só no Orçamento da União para a rubrica
"pessoal e encargos sociais", valor cinco vezes maior do que o
destinado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Embora exista um teto salarial (R$ 32.147,90), milhares de
funcionários ultrapassam o limite. Em agosto do ano passado, o site Congresso
em Foco mostrou que só no Senado 464 servidores recebiam acima do valor máximo
vigente à época. Na Justiça, já vieram à tona pagamentos milionários a
magistrados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A folha de pagamentos que o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro divulgou, por determinação do Conselho
Nacional de Justiça, mostra que, em setembro de 2011, 120 desembargadores
receberam mais de R$ 40 mil. Um deles ganhou extravagantes R$ 642.962,66 entre
vencimentos e penduricalhos. Um assalariado levaria 86 anos para receber este
valor.
Com certeza, os que recebem cerca de meio milhão por mês
para ocupar um cargo público não querem seus nomes na internet. Até porque a
exposição desses megassalários nos Três Poderes provavelmente contribuirá para
o fim da farra.
Apesar disso, não faltam os que jogam contra. O Sindicato
dos Servidores do Legislativo, em Brasília, já anunciou que irá travar batalha
judicial para impedir a divulgação dos rendimentos. A justificativa é que a
publicação poderá fomentar a indústria do sequestro relâmpago.
A suposição não condiz com os fatos. Desde 2009, a
prefeitura de São Paulo divulga mensalmente os salários de 165 mil funcionários
sem que se tenha notícia de violências específicas contra esse segmento. Quanto
à discussão jurídica, já ocorreram diversas manifestações em favor da
transparência provenientes, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal
(STF). O ministro Gilmar Mendes, em 2009, manteve no ar o site da prefeitura
paulista. O atual presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, comentou: "É o
preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado
republicano." A ministra Carmem Lúcia foi além ao exibir o seu
contracheque na internet.
A alegada "invasão de privacidade" também não se
sustenta. Ninguém quer saber o que o servidor faz com o seu salário, mas sim o
quanto recebe do Estado à custa dos impostos, taxas e contribuições que todos
pagam.
Enfim, o maior tabu relacionado à aplicação da Lei de Acesso
à Informação está por um fio. Na verdade, custamos a entrar para sócios do
clube da transparência. Inúmeros países já colocam à mostra os salários dos
servidores públicos como Chile, Peru, México e Paraguai, além de diversas
nações europeias. Nos Estados Unidos, a própria Casa Branca divulga há anos em
seu portal os nomes, os cargos e a remuneração anual de todos os seus
servidores, apesar da Al-Qaeda...
O raciocínio é claro e lógico. Em qualquer empresa privada,
o proprietário sabe quanto ganham os seus funcionários. No caso dos servidores
públicos, os patrões somos todos nós. A solução é cada um mostrar, com
trabalho, se vale o que custa. Tanto os burocratas quanto o Ronaldinho.