Correio Braziliense
- 05/10/2014
O candidato que sair vitorioso das eleições presidenciais
terá de torcer para que a Advocacia-Geral da União (AGU) desarme uma “pauta
bomba” que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A
possibilidade de ser reconhecido o direito à desaposentação, a discussão sobre
revisões de salários de servidores públicos atreladas a um indicador
inflacionário e a concessão de auxílio-moradia para magistrados têm potencial
de sangrar dos cofres públicos em pelo menos R$ 73 bilhões por ano.
Tramitam na Corte dois recursos extraordinários sobre a
possibilidade de um aposentado que se manteve no mercado de trabalho ter
direito à revisão no valor do benefício. No primeiro, de nº 381.367, quatro
seguradas gaúchas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pedem ao STF o direito de usar as contribuições feitas após
a aposentadoria para aumentar o valor mensal recebido.
O relator, ministro Marco Aurélio Mello, posicionou-se
favorável à desaposentação. O julgamento, entretanto, foi suspenso devido a um
pedido de vistas do ministro Dias Tofolli, que já devolveu os volumes ao
plenário para que a votação seja retomada. O outro recurso, nº 661.256, relatado pelo ministro Roberto Barroso, já
está pronto para ser julgado e terá repercussão geral sobre as mais de 123 mil
ações que tramitam no Judiciário sobre o tema.
O procurador-geral federal da AGU, Marcelo de Siqueira
Freitas, sustenta que não há previsão legal para a revisão das aposentadorias.
Ele afirma que, na eventualidade de o STF reconhecer o direito a novo cálculo,
o interessado deveria restituir à Previdência todos os valores já recebidos.
Nas estimativas de Freitas, caso todos os benefícios fossem reajustados, o
custo seria de R$ 49,1 bilhões para o INSS.
A autarquia projeta uma despesa adicional de até R$ 70
bilhões. “Como há dois recursos, entendemos que o presidente da Corte deve
reiniciar o julgamento a partir do processo relatado pelo ministro Barroso
porque tem repercussão geral, e reabrir as sustentações orais. Isso pode
ocorrer em casos em há mudança na composição do tribunal — e isso aconteceu”,
destacou Freitas.
Outro processo que pode corroer os cofres públicos é o
Recurso Extraordinário 565.089, que também possui repercussão geral e já está
em julgamento. Na ação, servidores públicos do Estado de São Paulo solicitam
indenização pela não revisão inflacionária dos salários nos últimos anos. O
ministro relator, Marco Aurélio, votou pela reposição e foi acompanhado por
Cármen Lúcia e Luiz Fux. Já se posicionaram de maneira contrária Luís Roberto
Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Gilmar Mendes.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do
ministro Dias Toffoli. Caso a Corte decida em favor dos servidores paulistas,
todos os funcionários públicos, da União, de estados, do DF e de municípios,
terão direito a reajuste anual. Segundo a AGU, uma revisão de 1% na folha do
governo federal teria impacto anual de pelo menos R$ 2,3 bilhões.
Um ministro do STF ouvido reservadamente destaca que, se o
julgamento for favorável aos servidores, os governos federal, de estados e de
municípios passarão a recolher tributos só para pagar salários. “Os entes já
não conseguem fazer investimentos para atender às demandas da sociedade.
Imagine se o Supremo decidir pela reposição anual atrelada a um indicador
inflacionário”, destacou.
Potencial explosivo
Outro processo com potencial explosivo para as contas
públicas trata do pagamento de auxílio-moradia para magistrados. Em decisão
monocrática, o ministro Luiz Fux autorizou o benefício de R$ 4.377,73 para
todos os juízes do país. Somente com os 6.773 federais, os gastos podem chegar
a R$ 355 milhões por ano; considerada toda a categoria, a despesa sobe a R$ 840
milhões. A AGU impetrou um mandado de segurança para suspender a decisão de
Fux.
Para o consultor Raul Velloso, o próximo presidente assumirá
o país em uma situação fiscal desastrosa, sem espaço para aumento de gastos.
Por isso, entende que a pauta do STF deve colocar o Executivo em alerta. Na
opinião de Gabriel Leal de Barros, da
Fundação Getulio Vargas, dada a situação fiscal delicada, o país pode perder o
grau de investimento das agências de risco. “Precisamos de um ajuste para atender às demandas da
população com educação, segurança e saúde
— e não interesses específicos”, diz.