sexta-feira, 5 de março de 2010

Sem cerimônia, o Congresso cria despesas


Autor(es): Claudia Safatle
Valor Econômico - 05/03/2010

A aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 300, que determina a elaboração de uma lei para estabelecer piso salarial para os policiais civis e militares, inclusive bombeiros, ativos e aposentados, é apenas o fio da meada de uma longa lista de projetos que tramitam no Congresso, conseguem bons padrinhos políticos e têm um elemento em comum: criam despesas em valores desconhecidos sem qualquer previsão de receitas para financia-las.

Há projetos de toda sorte, que encontram fermento em ano eleitoral. Seja o que autoriza o retorno aos quadros do setor público de todos funcionários que aderiram ao Programa de Demissão Voluntária (PDV) desde 1996; o que garante o pagamento de pensão aos dependentes de militares licenciados ou excluídos a bem da disciplina; ou ainda a PEC 59, que transforma 1.500 guardas portuários do país, estaduais, municipais e terceirizados, em policiais federais, cujo salário inicial é de R$ 13.368,00.

A PEC 300, patrocinada pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), foi aprovada em primeiro turno na Câmara na terça-feira. Seu custo é estimado grosseiramente em R$ 3,5 bilhões a R$ 4,5 bilhões, com efeitos nos caixas da União e dos Estados. Aprovada praticamente por unanimidade, ela prevê um piso nacional transitório até a implementação de uma lei, no prazo de 180 dias, de R$ 3,5 mil a R$ 7 mil, conforme a hierarquia dos oficiais. Na lei, o piso inicial seria de R$ 4,5 mil e, para os oficiais mais graduados, de R$ 9 mil. Conta-se com a criação de um fundo com recursos da União para auxiliar os Estados no pagamento dessa nova despesa.

Na semana passada, no estreito raio das exceções, oMinistério do Planejamento freou uma nova ofensiva do Judiciário e do Ministério Público, ao manifestar-se contra a aprovação de dois projetos de lei em tramitação, na Câmara, que concedem reajustes de até 56,42% para seus servidores, ao custo de mais de R$ 7 bilhões. Em duas notas técnicas, o governo diz que "não existe previsão para a reestruturação remuneratória" de que trata os projetos e que ambos "não atendem aos requisitos constitucionais e legais de natureza orçamentária à sua aprovação no corrente exercício".

A postura incomum do Planejamento frustrou os interesses político-eleitorais imediatos de vários candidatos do PT, que têm no funcionalismo sua principal base eleitoral, e jogou água fria nas expectativas de mais de 100 mil funcionários que esperam por esses aumentos, sob o pretexto de que há uma defasagem nos salários desses em relação a outros Poderes da União.

"Tal defasagem traz como consequência maior a alta rotatividade de servidores nos órgãos do Poder Judiciário - hoje em torno de 23% - com prejuízos no que se refere à celeridade e à qualidade da prestação jurisdicional", alegam, na exposição de motivos, os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, e do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha.

Como a estrutura exata das folhas de pagamentos do Judiciário é desconhecida do contribuinte e até mesmo do Tesouro Nacional, é difícil saber se essa alegação procede ou se o que ocorre é exatamente o contrário. Há três anos, o Judiciário fez uma reestruturação de carreiras ao custo de mais de R$ 5,2 bilhões aos cofres públicos, que ainda nem foi totalmente paga.

Já foi aprovada, em Comissão Especial da Câmara, a PEC 89, que autoriza a unificação do teto salarial para toda a administração pública, em decisão que também acaba com a impossibilidade de acumulação de remunerações cuja soma ultrapasse o teto (dado pelo salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de R$ 27,9 mil). Se aprovada, o teto será considerado individualmente, para cada uma das remunerações. Autor do substitutivo aprovado na comissão, o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) diz que a medida acaba com "a injustiça aplicável apenas aos servidores públicos, posto que na iniciativa privada não há nenhum empecilho neste sentido".

O projeto de lei 4.293 anistia todos os ex-servidores da administração direta, autárquica e fundacional, exonerados a partir de 21 de novembro de 1996 por adesão à PDV. Não há, no Congresso ou no governo, noção do que isso representa em número de pessoas e em custos. O autor, deputado licenciado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), alega que os funcionários foram coagidos a aceitar a adesão e tiveram promessas jamais cumpridas, "como a de oferta de cursos de requalificação profissional".

A PEC 53 garante direito a aviso prévio, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos servidores de cargo em comissão de livre nomeação. O autor da proposta, deputado Jofran Frejat (PR-DF), diz que são ministros, secretários de Estado, assessores parlamentares e técnicos, requisitados e comissionados, "completamente desprovidos da amplitude de direitos que amparam a relação contratual de trabalho, principalmente nas casas legislativas".

Por iniciativa do deputado André Vargas (PT/PR), o funcionamento da Comissão Especial Interministerial criada para analisar a reintegração dos servidores demitidos durante o governo Collor deve durar até dezembro. Os trabalhos da comissão terminariam em janeiro, mas ainda há 1.924 processos que não foram avaliados e cerca de 30 mil servidores demitidos que não conseguiram cumprir o prazo legais.

Esta é apenas uma amostragem do aumento de gastos que trafega pelo Congresso, que já passou por várias comissões, e tem mais um elemento em comum: o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que considera " irregulares e lesivas ao patrimônio público" a geração de despesa sem a previsão de receitas correspondentes.


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