O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, atirou no que viu e acertou no que não viu ao traçar sombrio prognóstico em entrevista publicada ontem: Vai doer. Ele se referia ao forte arrocho nos gastos públicos anunciado para a próxima semana. Mas o que dói é constatar a incoerência entre o discurso e a prática do governo. Com todas as despesas que representam, órgãos estão em criação, e a estatal Telebrás, em reativação. Mais: os estados acabam de ser autorizados pela União a contrair empréstimos de até R$ 40 bilhões, aumentando o endividamento.
Voltemos os olhos para trás e a situação não muda. Desde a posse de Lula na Presidência da República, mais de 200 mil cargos foram criados. Só de 2008 para cá, os gastos com servidores cresceram R$ 39 bilhões. Portanto, olhando-se o futuro ou o passado, a identidade da atual administração federal exibe o perfil perdulário de sempre. Quem acreditará na troca desse retrato 3x4 em branco e preto por colorido pôster de um Palácio do Planalto parcimonioso, a pouco mais de sete meses do fim do mandato? Não será o dragão da inflação, nem o Leão da Receita Federal, nem o bode do crescimento que são os juros mais altos do mundo.
A dor maior, o ministro não mencionou, é constatar que, por mais poderosa e mais a fundo que se passasse a tesoura agora (já se mostrou que não será nada disso), ela chega demasiado tarde. Não que seja dispensável, pois é sempre bem-vinda. Afinal, é melhor o mau aluno fazer o dever de casa a caminho da escola do que não fazê-lo jamais. As consequências, contudo, são inevitáveis. Nesse caso, para tamanho gasto contratado e a contratar, a carga tributária sempre estará pequena e o arrocho monetário, insuficiente.
O desalento extremo, ora experimentado pela Grécia e a pairar sobre Portugal, Espanha e Reino Unido, é o estouro do deficit público. Felizmente contamos com a Lei de Responsabilidade Fiscal, trava em vigor há 10 anos. Não fosse ela, o festival da gastança provocaria sequelas ainda mais graves. Mas assusta ver o governo anunciar, praticamente ao mesmo tempo, corte de R$ 10 bilhões no Orçamento da União e a criação do consórcio Autoridade Pública Olímpica, para planejar os Jogos de 2016, e da Empresa Brasileira de Legado Esportivo, que se encarregará da execução das obras. Apenas para estruturá-los, serão gastos R$ 94,8 milhões. Registre-se, ainda, a reativação da Telebrás, que absorverá R$ 3,22 bilhões do Tesouro até 2014.
A preocupação do momento é oposta à do ano passado. Se em 2009 temia-se uma recessão diante da crise internacional, hoje é o superaquecimento da economia que se tenta evitar para conter alta desenfreada dos preços e abrir espaço a elevação menos significativa dos juros. Melhor para ambas as situações que a máquina do Estado estivesse azeitada, fosse menos onerosa para o contribuinte, pessoa física ou jurídica. Difícil é convencer disso uma classe política ávida por cargos. Bom tema para a sucessão presidencial em curso, foi desanimador ver o principal candidato da oposição, o tucano José Serra, defender a criação de mais um ministério, voltado para a segurança nacional. É a perpetuação da gastança.