sexta-feira, 14 de maio de 2010

Cortes e gastança sem fim


Correio Braziliense - 14/05/2010

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, atirou no que viu e acertou no que não viu ao traçar sombrio prognóstico em entrevista publicada ontem: Vai doer. Ele se referia ao forte arrocho nos gastos públicos anunciado para a próxima semana. Mas o que dói é constatar a incoerência entre o discurso e a prática do governo. Com todas as despesas que representam, órgãos estão em criação, e a estatal Telebrás, em reativação. Mais: os estados acabam de ser autorizados pela União a contrair empréstimos de até R$ 40 bilhões, aumentando o endividamento.

Voltemos os olhos para trás e a situação não muda. Desde a posse de Lula na Presidência da República, mais de 200 mil cargos foram criados. Só de 2008 para cá, os gastos com servidores cresceram R$ 39 bilhões. Portanto, olhando-se o futuro ou o passado, a identidade da atual administração federal exibe o perfil perdulário de sempre. Quem acreditará na troca desse retrato 3x4 em branco e preto por colorido pôster de um Palácio do Planalto parcimonioso, a pouco mais de sete meses do fim do mandato? Não será o dragão da inflação, nem o Leão da Receita Federal, nem o bode do crescimento que são os juros mais altos do mundo.

A dor maior, o ministro não mencionou, é constatar que, por mais poderosa e mais a fundo que se passasse a tesoura agora (já se mostrou que não será nada disso), ela chega demasiado tarde. Não que seja dispensável, pois é sempre bem-vinda. Afinal, é melhor o mau aluno fazer o dever de casa a caminho da escola do que não fazê-lo jamais. As consequências, contudo, são inevitáveis. Nesse caso, para tamanho gasto contratado e a contratar, a carga tributária sempre estará pequena e o arrocho monetário, insuficiente.

O desalento extremo, ora experimentado pela Grécia e a pairar sobre Portugal, Espanha e Reino Unido, é o estouro do deficit público. Felizmente contamos com a Lei de Responsabilidade Fiscal, trava em vigor há 10 anos. Não fosse ela, o festival da gastança provocaria sequelas ainda mais graves. Mas assusta ver o governo anunciar, praticamente ao mesmo tempo, corte de R$ 10 bilhões no Orçamento da União e a criação do consórcio Autoridade Pública Olímpica, para planejar os Jogos de 2016, e da Empresa Brasileira de Legado Esportivo, que se encarregará da execução das obras. Apenas para estruturá-los, serão gastos R$ 94,8 milhões. Registre-se, ainda, a reativação da Telebrás, que absorverá R$ 3,22 bilhões do Tesouro até 2014.

A preocupação do momento é oposta à do ano passado. Se em 2009 temia-se uma recessão diante da crise internacional, hoje é o superaquecimento da economia que se tenta evitar para conter alta desenfreada dos preços e abrir espaço a elevação menos significativa dos juros. Melhor para ambas as situações que a máquina do Estado estivesse azeitada, fosse menos onerosa para o contribuinte, pessoa física ou jurídica. Difícil é convencer disso uma classe política ávida por cargos. Bom tema para a sucessão presidencial em curso, foi desanimador ver o principal candidato da oposição, o tucano José Serra, defender a criação de mais um ministério, voltado para a segurança nacional. É a perpetuação da gastança.


Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra