quinta-feira, 31 de março de 2011

A greve dos juízes federais


O Estado de S. Paulo - 31/03/2011


Para tentar forçar a aprovação de um reajuste de 14,79% em seus vencimentos, a título de reposição da inflação, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) tomou duas iniciativas polêmicas. A entidade é integrada por cerca de 2 mil magistrados, que hoje recebem R$ 22,9 mil por mês. Em 2009, a corporação reivindicou um reajuste de 16% e recebeu um aumento de 8,8%, pago em duas parcelas. Os juízes também estão pleiteando o reconhecimento de "simetria de carreira" com o Ministério Público Federal. Os integrantes deste órgão têm direito a vantagens funcionais que não são garantidas à magistratura.
 
A primeira iniciativa da Ajufe foi anunciar uma greve dos juízes federais no dia 27 de abril, com o objetivo de cobrar maior envolvimento do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nas lutas salariais da corporação e de pressionar o Ministério do Planejamento - o órgão responsável pelo Orçamento da União. A segunda iniciativa foi protocolar uma ação no STF, pedindo à Corte que determine o aumento de seus ministros, independentemente de decisão do Congresso.
 
O projeto de aumento da magistratura - que tem seus vencimentos atrelados aos dos ministros do Supremo - foi enviado pelo ministro Cezar Peluso ao Congresso em agosto de 2010 e ainda não foi votado. Pelo projeto, os ganhos dos ministros do STF passariam de R$ 26,7 mil para R$ 30,6 mil - e, com isso, os ministros do Superior Tribunal de Justiça passariam a receber R$ 29,1 mil; os desembargadores federais, R$ 27,6 mil; e os juízes federais R$ 26,3 mil.
 
A direção da Ajufe alega que o reajuste anual dos salários do funcionalismo está previsto pela Constituição (na realidade, ela fala em "revisão", obviamente dependendo da disponibilidade de caixa da União, o que não é o mesmo que aumento). A categoria também afirma que a Constituição garante a irredutibilidade dos salários. Segundo os juízes, a inflação corrói o poder aquisitivo - e, se os vencimentos não são corrigidos, isso configuraria uma efetiva redução de salário (o que a Carta proíbe é redução nominal dos vencimentos). Na ocasião em que o projeto de Peluso foi divulgado, o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, classificou como "delirantes" as pretensões do Judiciário - que também pedia verbas suplementares para planos de cargos e reformas administrativas.
 
Na ação aberta no STF, os juízes federais acusam os presidentes do Senado e da Câmara de tratar o Poder Judiciário de modo discriminatório, recusando-se a colocar o projeto de Peluso na pauta de votação. Em resposta, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PR-RS), e o líder da bancada majoritária, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), informaram que o projeto do Supremo não é prioritário.
 
Com o mandado de omissão impetrado na mais alta Corte do País, os dirigentes da Ajufe, que no mês de fevereiro já haviam trombado frontalmente com o Palácio do Planalto, entram em rota de colisão com o Poder Legislativo. "O governo não pode tratar sua relação com outro Poder, que é independente, como se estivesse negociando com sindicato de motorista de ônibus", disse o presidente da entidade, Gabriel Wedy, no mês passado. Diante da repercussão negativa de sua declaração, dias depois ele divulgou nota procurando justificar a comparação.
 
As iniciativas da Ajufe podem gerar graves problemas institucionais. Em primeiro lugar, ao pedir que o STF determine o aumento da magistratura independentemente do Congresso, a entidade está estimulando um perigoso confronto entre os Poderes. Em segundo lugar, se aumentarem seus vencimentos atropelando o Congresso, os ministros do STF estarão decidindo em causa própria, o que comprometerá sua autoridade. E, por fim, se entrarem em greve, como estão ameaçando, os juízes federais estarão descumprindo a Constituição. Como a Carta garante o acesso à Justiça, se cruzar os braços, a magistratura federal estará afrontando garantias fundamentais - atitude inadmissível para uma corporação que tem o dever funcional de zelar pelo cumprimento da ordem constitucional.


Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra