Autor(es): Paula
Filizola e Josie Jeronimo
Correio Braziliense - 28/09/2011
APÊ DO QUEIJO VOLTA À UNIÃO. FALTAM 240
Emblema do descaso com o patrimônio público, o apartamento
de R$ 1,3 milhão localizado no Bloco H da SQS 203, uma das áreas mais nobres de
Brasília, foi devolvido ontem à União. Ex-funcionário do Ministério do
Trabalho, Clineo Monteiro França Netto ocupava o imóvel irregularmente havia
mais de 12 anos e o tinha transformado em um depósito de queijo. De lá, o
produto era distribuído para diversos estabelecimentos na cidade. Ontem ele foi
notificado pela Justiça e deixou a unidade residencial. Um flagrante do Correio
Braziliense foi determinante para a decisão judicial. "Podíamos ter
recorrido, mas o senhor Clineo não quis", lamentou o advogado do
ex-inquilino, João Paulo de Oliveira Boaventura. Segundo a Advocacia-Geral da
União, o governo pede a reintegração de posse de pelo menos outros 240 imóveis
no DF.
Ex-servidor devolve apartamento após Correio denunciar que o
local servia de depósito de produtos alimentícios. Vitória da Justiça é caso
pontual no universo de abusos cometidos contra o patrimônio públicoNotíciaGráfico
Após receber intimação judicial, o ex-servidor do Ministério
do Trabalho Clineo Monteiro França Netto deixou ontem o apartamento funcional
que ocupava irregularmente desde 1985 no Bloco H da SQS 203. O fim da novela de
recursos que protelavam a devolução do imóvel à União ocorreu depois do
flagrante do Correio publicado na sexta-feira, que mostrou a utilização do
patrimônio público como um depósito de apoio para a distribuição de queijos da
marca Tirolez. Entretanto, a saída do inquilino é um caso isolado no universo
de processos de reintegração de posse dos apartamentos funcionais da União.
Nomeados por indicação e sem vínculos permanentes com o
serviço público, funcionários ganham o benefício de morar em espaçosas
residências no Plano Piloto, mas, quando são exonerados, movem todos os
artifícios jurídicos para continuar com o imóvel do governo. De acordo com a
Advocacia-Geral da União (AGU), o Estado pede a reintegração de posse de pelo
menos 241 unidades que foram destinadas a funcionários temporários e que não
honraram o compromisso de desocupar os locais depois de deixarem a função. A
União tem 521.296 imóveis no país.
Os apartamentos funcionais foram construídos na década de
1950 para abrigar servidores de outros estados, em um contexto de uma cidade
recém-criada e com mercado imobiliário incipiente. Os anos se passaram e o
governo não modernizou o modelo de administração dos imóveis. Até hoje, os
responsáveis pelo controle das concessões de uso recorrem ao arcaico Sistema
Integrado de Administração Patrimonial (Siapa) para monitorar essas
propriedades. O sistema não fornece dados integrados sobre a situação dos
imóveis em litígio e o balanço das ocupações irregulares.
Na AGU e nos tribunais federais que cuidam dos casos, a
descentralização se repete. Os procuradores da União responsáveis por
acompanhar os processos não conseguem dar conta de todas as movimentações e
recursos que envolvem as ações de reintegração, e os casos ficam espalhados por
diversas varas da Justiça Federal, prejudicando a análise integrada das
tramitações de desocupação dos imóveis da União. O resultado é a utilização
irregular do patrimônio público e o prejuízo com a inadimplência das taxas de
condomínio. Relatório de gestão mostra que a Secretaria de Patrimônio alcança
apenas 69,3% da meta de cobranças administrativas em imóveis ocupados
irregularmente.
No despacho do juiz Paulo Cesar Lopes, da 13ª Vara do DF,
que determinou a reintegração do imóvel à União, o magistrado ressalta que, em
julho de 2008, a Justiça atestou a irregularidade da ocupação do imóvel
funcional da SQS 203, e que o flagrante da utilização comercial do apartamento
foi decisivo para acelerar o despejo. "O deferimento da medida se torna
ainda mais urgente pela informação trazida pela União de que o imóvel
atualmente é ocupado irregularmente como local de estoque e distribuição de
queijos para todo o Distrito Federal, conforme cópia de reportagem publicada no
jornal Correio Braziliense."
Para manter a posse sobre o imóvel por mais de 12 anos — a
ocupação forçada pelo ex-servidor do Ministério do Trabalho é contada a partir
de 1999, quando a União publicou cessão do termo de uso para colocar fim nas
brechas jurídicas que estavam sendo usadas pela defesa do réu —, Clineo alegou
que gostaria de comprar o apartamento. O juiz sustenta, no entanto, que a
alegação não faz sentido, pois, em 2004, transitou em julgado negativa da União
em vender o imóvel.
Dívida
No processo de reintegração, há informações de que Clineo
deixará o imóvel com uma dívida de R$ 127,7 mil, referente às taxas de ocupação
e das multas por uso irregular que o ex-servidor deixou de pagar durante o
período em que a unidade ficou sub judice.
O advogado de Clineo, João Paulo de Oliveira Boaventura,
afirma que seu cliente mantinha uma ocupação "precária" e não
"ilegal" do imóvel, e que o apartamento só não foi devolvido antes
por "inépcia" do Judiciário.
"Ele estava no imóvel aguardando pedido por parte da
Advocacia-Geral da União. O senhor Clineo estava superdisponível para devolver
o apartamento. Ele não abusou do recurso, estava somente esperando a decisão da
União de requerer o imóvel."
Boaventura alegou que o processo estava parado desde 2009,
aguardando apreciação do juiz ou reiteração do pedido de reintegração pela AGU.
SPU não tem controle sobre patrimônio
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou
problemas de gestão na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) na administração
dos apartamentos funcionais cedidos a servidores. A Corte critica a ausência de
informações centralizadas sobre os imóveis e o estado de conservação dessas
unidades. Os prejuízos que a União têm com débitos de taxas de condomínio e de
ocupação também estão no rol das preocupações. O TCU identificou que a SPU não
consegue evitar a prescrição de créditos inadimplentes dos moradores desses
imóveis funcionais, que acabam sem arcar com o ônus gerado com a falta dos pagamentos.