O Estado de S. Paulo
- 05/12/2011
Se o órgão criado para apurar indícios de atos ilegais
praticados na administração pública e punir os responsáveis pelas
irregularidades se alia aos investigados, as consequências mais óbvias serão a
facilitação e a disseminação das práticas sob investigação. Esta é,
lamentavelmente, a situação que se está criando no serviço público, pois as
corregedorias - responsáveis pela apuração de atos irregulares e punição dos
eventuais culpados - estabeleceram um "acumpliciamento corporativo"
com servidores envolvidos em desmandos e corrupção, como descreveu o ministro
da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, criando uma situação por ele
considerada "inaceitável" (Estado, 26/11).
Dinheiro público que deveria ser aplicado em projetos de
interesse coletivo é desviado para os bolsos de umas poucas pessoas ou é
desperdiçado. Assim, os contribuintes recolhem impostos em troca de serviços
cada vez mais deficientes. Por causa de acertos entre corregedorias e
investigados, os responsáveis pelos atos ilegais raramente são alcançados pela
punição administrativa ou financeira. Em muitos casos, ainda escapam da ação
judicial que poderia ser aberta contra eles com base no que foi apurado no
plano administrativo.
"Quantas vezes vemos situações de corregedorias que,
diante de ilícitos evidentes e de um mal-estar na própria corporação em que o
órgão está, resolvem colocar a sujeira debaixo do tapete para não ter que
colocá-la à luz do sol, o que evidentemente propiciaria uma lição mais firme e
decidida", disse o ministro, durante reunião da Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, organização formada por 70
entidades de prevenção e repressão ao crime organizado. Essa organização se
reúne anualmente para discutir mecanismos de proteção dos recursos do Tesouro
Nacional contra a corrupção.
Nem todas as corregedorias se renderam ao corporativismo
denunciado pelo ministro da Justiça. Há exemplos de órgãos de investigação
interna que não se submetem ao tráfico de influência ou aos interesses de uma
pequena parte do funcionalismo, e procuram desempenhar seu papel com a isenção
que ele requer.
Embora o ministro Cardozo não a tenha citado, suas palavras
podem ser interpretadas como de apoio à corregedora do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, que enfrenta forte resistência corporativa
de parte da magistratura ao ritmo e ao estilo de trabalho que vem
desenvolvendo.
Na semana passada, a chefe da corregedoria do CNJ informou
que o órgão está investigando operações suspeitas envolvendo um grupo de juízes
em grilagem de terras nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí e
divisa entre Bahia e Goiás. Em setembro, a ministra Eliana Calmon havia
afirmado ser necessário combater a impunidade dos "bandidos que se
escondem atrás da toga", o que provocou a divulgação, pelo presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, de uma nota de repúdio
em que também cobrava retratação da ministra, que não se retratou.
Em ação de inconstitucionalidade impetrada no STF, a
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questiona as prerrogativas do CNJ
para investigar e punir juízes acusados de desvio de conduta. No seu entender,
só depois de julgadas pelas corregedorias dos respectivos tribunais as
denúncias poderiam ser examinadas pela corregedoria do CNJ.
É neste ponto que as afirmações do ministro da Justiça
ganham maior relevo. As corregedorias locais têm em andamento 1.085
investigações contra magistrados, de acordo com dados divulgados pelo ministro
Cezar Peluso, que também preside o CNJ. O número elevado pode sugerir trabalho
intenso das corregedorias locais. Mas relatórios da Corregedoria Nacional de
Justiça, chefiada pela ministra Eliana Calmon, constataram a existência de
processos "esquecidos" em prateleiras ou que vêm passando de gaveta
em gaveta - alguns, desde 2005. Na prática, pouco se investiga.
Como são leves as punições administrativas para boa parte
das atos investigados, o prazo de prescrição é curto. A demora no julgamento
dos processos, por isso, beneficia os investigados.