Diego Amorim
Correio Braziliense
- 11/12/2011
Os donos da renda
Metade de todo o bolo salarial, pago no DF vai para o bolso
de funcionários públicos, embora eles representem apenas 22% da mão de obra da
capital
Embora representem apenas 22% da mão de obra empregada no
DF, os servidores públicos recebem todos os meses 50% da massa salarial paga
aos trabalhadores. Os 78% restantes, funcionários de empresas e autônomos,
dividem a outra metade
Metade do dinheiro pago em salários no Distrito Federal vai
parar na conta bancária de servidores públicos, um seleto grupo que representa
pouco mais de um quinto dos ocupados na capital do país. Exatamente do mesmo
tamanho, a outra parte dos rendimentos mensais é repartida entre todos os
outros contracheques, incluindo o dos funcionários do setor privado, dos
autônomos e dos empresários, responsáveis, juntos, por 78% da mão de obra em
atividade na capital do país.
A radiografia do mercado de trabalho do DF nas duas últimas
décadas reforça a exorbitante concentração de renda na pequena elite
brasiliense e explica por que a economia local depende tanto do funcionalismo
público. Os números fazem parte da consolidação da Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED) desde o início da série histórica, em 1992, feita pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e
pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan).
O peso do setor público no chamado nível ocupacional vem
diminuindo com o amadurecimento da cidade. Em 20 anos, o total de servidores
recuou de 31,6% para 22,2% da força de trabalho empregada. O avanço da
participação da iniciativa privada no total de trabalhadores, no entanto, não
conseguiu mexer muito na distribuição de renda. O dinheiro que corre em
Brasília ainda se concentra, em proporção surpreendente, nas mãos dos
servidores. São os funcionários pagos pelo Estado os que têm maior poder de
compra e mais segurança para fazer investimentos. Nesses mesmos 20 anos, a
participação do funcionalismo na renda total da cidade caiu em ritmo bem menor,
recuando de 55,3% para 50%.
Reajustes maiores
Enquanto o rendimento médio real dos ocupados do DF cresceu
5,8% no período analisado, o dos servidores saltou 44,1%, quase oito vezes
mais. Apesar da discrepância observada entre as carreiras, os salários do
funcionalismo em Brasília são os mais altos do país. Quem passou em concurso
público ganha, em média, quase 2,5 vezes mais na comparação com aqueles que não
trabalham para o Estado.
É a força dessas estatísticas que seduz os autointitulados
concurseiros. Leila Ornelas pode ser considerada uma advogada de sucesso. Com
14 anos de profissão, tem o próprio escritório e, apesar da variação natural da
renda média, consegue viver muito bem na capital com um dos maiores custos de
vida do país, puxado justamente pelos servidores.
Mesmo assim, aos 39 anos, casada, Leila tomou uma decisão:
quer passar em um concurso. Para conquistar o objetivo, Leila se dedicou um ano
às aulas em cursinho e agora encontra tempo para encarar os livros em casa.
"Meu sonho é a estabilidade. Hoje, não posso fazer planos, não sei como os
juízes vão julgar as ações, fico a bel-prazer do Judiciário", justifica
ela, de olho nos cargos de advogada da União ou procuradora, com salários
iniciais de quase R$ 15 mil. "Não saber quanto vou ganhar no fim do mês me
angustia. E quero começar a pensar na minha aposentadoria", reforça.
E EU COM ISSO
Viver em uma cidade onde o peso do funcionalismo puxa a
média salarial para cima tem seu custo para a maioria dos trabalhadores, que
acabam por pagar mais caro em produtos e serviços. Em uma linha de financiamento
imobiliário, por exemplo, o servidor tem à sua disposição taxas mais reduzidas
devido à estabilidade no emprego. Uma concessionária de veículos terá menos
necessidade de fazer promoções se dois terços de seus clientes são servidores
que trocam de carro a cada três anos, em média. Além disso, por que o comércio
daria grandes descontos à vista se boa parte de sua clientela, por não ter
receio de ser demitida, pode parcelar suas compras a perder de vista?