Deco Bancillon e Ana Carolina Dinardo
Correio Braziliense
- 16/06/2013
Educação muda a cara do funcionalismo Com a renovação da
máquina, 35,5% dos servidores têm 15 ou mais anos de estudo, o triplo entre os
empregados de firmas privadas
No país em que ainda luta-se para se desvencilhar da posição
de atraso no ranking internacional de qualidade de ensino, uma estatística
chama a atenção. No Brasil, a cada ano, 126,4 mil pessoas com diploma de nível
superior ingressam na administração estatal. São um time de profissionais das
mais variadas áreas, de bombeiros e médicos a professores e funcionários de
prefeituras espalhadas pelos municípios país afora. Mais escolarizados e
preparados para exercer cargos públicos, esses novos servidores estão mudando a
cara da mão de obra estatal, antes estigmatizada de leniente e pouco produtiva.
Entre 2009 e 2012, ao passo que o mercado privado ganhou 3,8
milhões de trabalhadores sem diploma, na esfera pública, o contingente de
servidores menos escolarizados encolheu em 51,8 mil postos. Para especialistas
consultados pelo Correio, os concursos públicos, mais exigentes e disputados,
foram o ponto de partida para essa redução. “Hoje, os processos de seleção
estão mais apurados. A proliferação de cursinhos preparatórios para a carreira
pública e a figura do concurseiro profissional, que até alguns anos atrás nem
mesmo existia, é a certeza de que os próximos funcionários públicos serão cada
vez mais capacitados”, diz o economista Marcio Sette Fortes, professor do
Ibemec Rio.
Na opinião dele, a maior qualificação da mão de obra estatal
é o primeiro passo para melhorar a qualidade dos serviços prestados pela
administração pública, que, para ele, ainda deixam a desejar. “O Brasil está
trilhando o caminho que outros países já percorreram, como a França, que hoje
exporta seu modelo de excelência em gestão pública para todo o mundo”, pondera.
Elite
Antes vista como mal preparada, essa nova força de trabalho
agora rivaliza e, em muitos casos, até supera em tempo de estudo os
trabalhadores da iniciativa privada. Para cada funcionário do setor privado que
estudou 15 anos ou mais, há pelo menos três servidores com a mesma escolaridade
no país. Em relação à mão de obra total disponível para o trabalho, significa
que apenas 10,4% dos trabalhadores privados têm 15 anos ou mais de estudo,
enquanto que, na iniciativa pública, esse índice é de 35,5%.
Os números fazem parte de um estudo inédito preparado pelos
economistas Fernando de Holanda Filho, Ana Luiza Neves e João Ricardo Lima,
obtido com exclusividade pelo Correio. Conforme revelam, o tempo médio de
estudo do trabalhador privado no Brasil é de 9,3 anos. Já o funcionário da administração
estatal, seja ele do governo federal ou de órgãos públicos de estados e
municípios, acumula 11,7 anos de estudo.
Por estudarem mais, esses profissionais também acumulam
salários maiores. Um outro estudo, preparado a pedido do Correio pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os salários pagos aos
servidores públicos são, em média, até 1,5 vez maior que os de trabalhadores de
empresas privadas. Ao passo que os servidores ganham em torno de R$ 2.839,08
mensais, os empregados do setor privado recebem, em média, R$ 1.708,75.
“Na verdade, o setor público atrai as pessoas por duas
razões: os salários mais altos e a estabilidade no emprego. É como um seguro
que a pessoa faz, pois sabe que não será demitida por qualquer razão”, pondera
o professor Fernando de Holanda Barbosa Filho, doutor em economia pela New York
University e um dos maiores especialistas no país em relações de produtividade
e capital humano nas esferas pública e privada.
No mais recente estudo conduzido sobre o tema, Holanda Filho
constatou que a diferença bruta entre os salários do setor público e os do
privado são de cerca de 108% em favor do funcionalismo, variação que ele
considera “extremamente alta”. “É uma aparente contradição, porque se você tem
um emprego em que não pode ser demitido nunca, em tese você deveria ganhar
menos do que em um emprego mais instável, em que você pode ser demitido a
qualquer momento”, observa.
A diferença, ele reforça, está na qualificação. “O
brasileiro, em geral, é pouco escolarizado. Então, se você comparar o setor
público com o privado, um dos motivos dessa discrepância salarial é justamente
o maior grau de educação do servidor público”, explica Holanda.
Satisfação
Eduardo Azevedo de Lima, 43 anos, entrou no Ministério dos
Transportes em 1998, por influência dos pais, os servidores aposentados Maria
Helena, 72, e Cláudio, 78. À época, o curso superior de administração estava
sendo concluído. Mas a bagagem profissional, segundo ele, veio dos
progenitores. A herança o fez ser aprovado no ano seguinte da conclusão da
faculdade. “No começo, não gostava muito desse papo de concurso, mas hoje vejo
que vale a pena”, conta Lima.
Além da estabilidade e do salário de R$ 3,5 mil por mês,
Lima acrescenta que aprendeu muito e se tornou um profissional melhor. “Não
pretendo sair. Estou muito satisfeito, em todos os sentidos”, diz. Ele ressalta
ainda que não enxerga o trabalho em empresas privadas como grande vantagem.
“Poderia até ganhar mais. Porém, não teria a estabilidade que tenho. Então, é
melhor continuar onde estou, e sem reclamar”, acrescenta.
Ao contrário de Lima, há cinco anos, Edson Gomes de Almeida,
56, decidiu abandonar o serviço público depois de trabalhar uma década como
auditor. Em troca, passou a receber um salário muito maior — trocou R$ 4,5 mil
por R$ 9 mil —, pela mesma função, em uma empresa privada. Com isso, nem a
estabilidade que costuma ser o alvo de muitos concurseiros foi capaz de
prendê-lo no cargo público. “Muitos amigos me chamam de louco por abrir mão
desse benefício. Mas acho que isso não é tudo”, explica.
Almeida ressalta que, antes de decidir, o que faria em
relação à vida profissional, pensou na família, nos dois filhos — Clara, 7, e
Luiz Gustavo, 9 — e percebeu que poderia oferecer um futuro melhor a eles.
Então, aceitou a proposta de seu atual empregador. Ele confessa que, no começo,
ficou com receio de não dar certo. Mas, hoje, sabe que a escolha o levou a
colher bons frutos. “Tudo mudou na minha vida, desde a alimentação até as
viagens, que agora já podem ser internacionais. Em janeiro vamos para a Disney.
Já havia prometido a eles. Tenho que cumprir”, diz.
Experiência
Marcio Sette Fortes fala com conhecimento de causa. Há 20
anos, ele trabalhou para o governo francês, no Ministério da Economia e
Finanças. Na ocasião, teve a oportunidade de conhecer servidores públicos
superqualificados, egressos da tradicional Escola Nacional de Administração,
onde são formados os altos funcionários de Estado franceses, entre os quais
ex-ministros e até o atual presidente daquele país, François Hollande. Deu tão
certo o modelo que, anos depois, o Brasil também passou a investir na criação
de uma carreira de gestores públicos.
Jornada
Outra comparação feita com base na jornada de trabalho e na
remuneração nominal entre as duas categorias mostra uma diferença de
rendimentos um pouco menor, de cerca de 84%. Isso se deve ao fato de que, no
setor público, a jornada de trabalho é, em média, 13% menor que a dos
empregados do setor privado. No Brasil, um funcionário da administração pública
trabalha cerca de 37,8 horas por semana, ao passo que, no setor privado, as
jornadas são, em média, de 43,4 horas semanais.
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