Ivar A. Hartmann e Fernando Leal
Folha de S. Paulo
- 23/10/2013
Especial para a Folha
Desde 1998 a Constituição proíbe qualquer funcionário
público de receber remuneração maior do que a dos ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal). Mesmo que acumule remunerações por cargos públicos
diferentes, não pode ultrapassar o chamado teto constitucional. Por que isso
não é cumprido?
Os interessados em ganhar acima do teto afirmam que, se a
Constituição permite acumular cargos, não se poderia deixar de receber por
ambos. Alguns órgãos, porém, disfarçam a remuneração criando benefícios
avulsos. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ainda em 2006, foi obrigado a
esclarecer o óbvio e determinar que para o Judiciário "abonos",
"prêmios" e similares não podem deixar a remuneração acima do teto.
Todos afirmam que sua situação é diferente, particular. E o
Judiciário tem aceitado muitos desses argumentos. Mas, na verdade, o teto
remuneratório iguala qualquer um em sua condição de recebedor de salário pago
pelo dinheiro de todos os brasileiros. As diferenças não precisam ser
eliminadas.
É perfeitamente possível acomodá-las abaixo do teto. Por
exemplo, alguns ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) recebem, além de
seus vencimentos, aposentadoria em outro cargo público. É o caso clássico de
vedação prevista pela regra constitucional.
Por trás de todas as interpretações "generosas" da
regra do teto está a noção arraigada de ver o cargo público como chance de
enriquecer e não de prestar um serviço à comunidade.
Segundo o IBGE, a remuneração nas carreiras públicas supera
em 92% a da iniciativa privada. O Brasil é o país dos concursos, no qual uma
parcela enorme da força de trabalho jovem passa anos de suas vidas para passar
em uma prova.
Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas), essa prova
testa apenas a capacidade de passar na própria prova. No ano passado, o STF
recebeu mais processos sobre servidor público do que sobre qualquer outro
assunto.
No país onde o sonho da maioria é ficar rico trabalhando
para o Estado, ser remunerado acima do limite constitucional é considerado um
direito.
Ivar A. Hartmann é professor da FGV Direito Rio e
coordenador do projeto Supremo em Números e