Jomar Martins
Consultor Jurídico
- 27/10/2013
O erro cometido pela Administração Pública na avaliação de
títulos não pode determinar a exoneração do servidor tido como vencedor do concurso,
mesmo que posteriormente haja decisão judicial transitada em julgado
reconhecendo que a vaga caberia ao segundo colocado. Afinal, tal demissão
afronta os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da
confiança.
O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, ao manter sentença que mandou reintegrar ao cargo uma professora de
Biologia da Escola Agrotécnica de Concórdia, do Instituto Federal Catarinense.
O reitor decidiu exonerá-la para dar cumprimento à decisão judicial que
reconheceu o direito da segunda colocada ao cargo. O erro no cômputo da
pontuação se deu por culpa exclusiva da instituição.
A relatora da Apelação, desembargadora Marga Inge Barth
Tessler, afirmou no acórdão que a decisão que reconheceu o direito da segunda
colocada não dispôs acerca da condição da autora, então devidamente nomeada e
trabalhando normalmente, de boa-fé. ‘‘Desse modo, à vista da situação posta,
não poderia a Administração, passados mais de 16 anos da nomeação da
demandante, simplesmente exonerá-la’’, entendeu.
Para a desembargadora, o Superior Tribunal de Justiça já se
manifestou sobre a necessidade de se observar os princípios da segurança
jurídica e da boa-fé por parte da Administração diante de situações já
consolidadas no tempo e nas quais fica evidenciada a conduta escorreita do
beneficiário do ato administrativo. O acórdão do TRF-4 foi lavrado na sessão de
julgamento do dia 16 de outubro.
O caso
Adilce Inês Hermes Benelli prestou concurso público para o
cargo de professora da então Escola Agrotécnica Federal de Concórdia, em Santa
Catarina. Aprovada e classificada na primeira posição, foi nomeada por meio da
Portaria 64, publicada no Diário Oficial da União de 22 de dezembro de 1994.
A segunda colocada no concurso, descontente com o fato de
não ter sido computada sua titulação, impetrou Mandado de Segurança em dezembro
de 1995. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região acabou concedendo a ordem
pleiteada, em decisão que transitou em julgado no ano de 2010. Por consequência,
a candidata pulou para a primeira posição.
Diante da decisão jurídica consolidada, o hoje Instituto
Federal Catarinense editou a Portaria 752, de 30 de maio de 2011, determinando
a exoneração da autora e seu imediato afastamento do cargo. A escola tem essa
denominação desde a edição da Lei 11.892, em dezembro de 2008, que criou os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Exonerada, a autora foi à Justiça pedir reintegração ao
posto. Sustentou que, por ser estável, só poderia ser demitida do cargo público
em razão de algumas das três hipóteses previstas no artigo 41 da Constituição
Federal: sentença transitada em julgado, processo administrativo ou como
desfecho de procedimento de avaliação de desempenho. Ainda que se enquadrasse
numas das hipóteses, complementou, deveria ter sido aproveitada em outro cargo
ou posta em disponibilidade.
Em março de 2013, o então juiz substituto da 1ª Vara Federal
de Concórdia, Ivan Arantes Dantas Filho, concedeu a tutela para reintegrar a
autora ao cargo.
A sentença
Ao julgar o mérito da causa, a juíza substituta Priscilla
Mielke Wickert Piva escreveu na sentença que a Escola deixou de atuar com
diligência na apuração dos títulos, o que teria evitado o primeiro processo, e
ainda deixou de cumprir a Lei 8.112/1990. Ou seja, ignorou o comando normativo
que determina que, ‘‘encontrando-se provido o cargo, o seu eventual ocupante
será reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indenização ou aproveitado
em outro cargo ou, ainda, posto em disponibilidade’’. A instituição
simplesmente anulou a Portaria de nomeação, como criticou a juíza.
Mais grave, a seu ver, é que nos 16 anos de trabalho, não se
verificou qualquer irregularidade funcional que pudesse ser imputada à autora.
Pelo contrário, os autos mostram desempenho profissional satisfatório e que ela
participou de cursos, ações de capacitação, pesquisas e orientações de
trabalhos estudantis.
‘‘Inegável que (...) a exoneração da autora, afora o próprio
sistema normativo, fere o princípio da confiança legítima, princípio este que
respalda a manutenção de atos administrativos ilegais ou inconstitucionais cuja
eficácia tem-se estendido por muito tempo, provocando no administrado a
expectativa de legitimidade e continuidade. Tem por escopo, ainda, garantir a
estabilização das relações entre a Administração Pública e os administrados’’,
discorreu.
Além de reconhecer a boa-fé da autora no exercício do cargo
e durante todo o processo, tendo em vista que não deu causa ao imbróglio, a
juíza ainda registrou na sentença que o próprio Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão emitiu parecer contrário à exoneração.
‘‘Assim, cumpre reconhecer a nulidade da Portaria 752/2011,
restabelecendo a vigência e eficácia da Portaria 64/1994 e, por conseguinte,
determinar a reintegração da autora ao cargo de professora de Biologia da
Escola Agrotécnica Federal de Concórdia’’, decidiu a juíza.
Com a decisão, a autora receberá todas as prestações e
vantagens a que teria direito nesse intervalo de tempo entre a data da
exoneração e a da reintegração. O período de afastamento — quase dois anos —
deve ser computado como tempo de serviço para todos os fins, inclusive promoção
e progressão de carreira.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico
no Rio Grande do Sul.
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