Antonio Temóteo
Correio Braziliense
- 27/10/2013
O governo tem arcado com reembolsos de salários astronômicos
de servidores do Ministério de Minas e Energia (MME), muito acima do teto
constitucional de R$ 28 mil. Documentos obtidos com exclusividade pelo Correio
mostram que os gastos incluem até valores de mais de R$ 98 mil referentes a
participação nos lucros. Esta casta de marajás é formada por funcionários
requisitados de estatais do setor elétrico. Eles não se submetem ao limite
salarial do funcionalismo, e acumulam também DAS e jetons de conselhos, como é
o caso do secretário executivo da pasta, Márcio Pereira Zimmermann.
Usando uma brecha legal, esses servidores fazem opção por
receber a remuneração do emprego de origem. A fatura cobrada pelas empresas é
enviada ao ministério, e os reembolsos são feitos. Além dos salários, são pagas
as gratificações, as contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), vale-alimentação e
até participações nos lucros. O Tribunal de Contas da União (TCU) passou a
investigar essa anomalia após o Ministério Público entrar com uma representação
e questionar as devoluções de recursos que a pasta faz às estatais. O processo
TC 044.735/2012-0 é relatado pelo ministro Raimundo Carreiro, que disse estar
impedido de se manifestar sob o caso.
A reportagem teve acesso a cinco extratos de reembolso, de
cinco diferentes empresas do setor elétrico, feitas entre setembro de 2012 e
agosto de 2013. No total, foram cobrados do ministério R$ 1,78 milhão
referentes aos gastos com 34 empregados cedidos à pasta. Com esses recursos,
seria possível contratar 63 servidores recebendo o teto constitucional. Se essa
remuneração fosse reduzida à metade do salário dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), ou a pouco mais de R$ 14 mil, 127 pessoas poderiam ser
admitidas na administração pública federal, após passarem por concurso público
ou nomeados para cargos de confiança.
Somente um dos reembolsos, que correspondia a vencimentos de
um servidor cedido por uma estatal do setor elétrico, foi de R$ 162.833,42.
Desse total, mais de R$ 98 mil se referem a participação nos lucros. Em setembro
de 2012, o ministério devolveu mais de R$ 65 mil, referentes ao salário,
gratificações e contribuições sociais de Márcio Zimmermann. Além disso, ele
recebe do ministério mais de R$ 7 mil de gratificação e R$ 18 mil de jetons dos
conselhos da BR Distrituidora e da Petrobras — o dinheiro recebido da
petrolífera e da empresa de combustíveis é abatido do teto constitucional.
Legalidade
Apesar da aberração, os reembolsos são legais. Os
ministérios de Minas e Energia, do Planejamento e a Controladoria-Geral da
União (CGU) explicaram que o decreto presidencial nº 4.050, de 12 de dezembro
de 2001, referenda e disciplina a devolução dos recursos às estatais. Esse
instrumento legal regulamentou a Lei nº 8.112, que instituiu o regime jurídico
dos servidores públicos da União. O Ministério do Planejamento detalhou que o
teto constitucional se aplica tão somente à remuneração de servidores públicos
e também de empregados públicos de empresas dependentes de recursos do Tesouro.
Porém, essa limitação não existe no caso de ressarcimento às
estatais pela cessão de empregados. O reembolso em questão alcança todas as
despesas de pessoal associadas como: FGTS, INSS, parcela patronal para
previdência privada (quando for o caso), 13º salário, adicional de 1/3 sobre as
férias, entre outras. Conforme o Planejamento, dados do Sistema Integrado de
Administração de Recursos Humanos (Siape) indicam que 2,8 mil pessoas de
estatais estão cedidas para órgãos e entidades do Executivo federal.
Entretanto, a pasta não soube informar quanto é gasto mensalmente para custear
somente essa folha de pagamento. No caso dos reembolsos, cada ministério usa
recursos próprios para cobrir essa despesa específica.
O MME detalhou que o pagamento de servidores do quadro leva
em conta o teto constitucional estabelecido. Já os empregados públicos cedidos
de estatais do setor elétrico, consideradas pela pasta empresas não
dependentes, não são pagos pelo ministério. A CGU comentou que, no momento,
analisa a questão para verificar se há algum problema.
Autor da representação que deu origem ao processo que
tramita no TCU, o subprocurador geral perante a Corte, Lucas Furtado,
apresentou no documento reembolsos de salários que variam de R$ 30 mil a R$ 57
mil. Ele explicou que trabalhadores de estatais que não recebem recursos do
Tesouro Nacional deixam de se submeter ao teto do funcionalismo. Entretanto,
Furtado avalia que, a partir do momento em que essa pessoa é cedida para ocupar
um cargo no Executivo, a remuneração deve ser atrelada ao limite imposto pela
Constituição. "O erro é requisitar pessoas com salários acima do que diz a
lei", destacou.
Na opinião do professor de direito administrativo da
Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said Maia Filho, essa situação é anômala
na medida em que gera um desnível dentro dos órgãos públicos. Para ele, esses
casos criam desconforto nos ministérios. "O bom senso indica que, uma vez
estando na administração direta, o agente público cedido deveria se submeter às
normas constitucionais que regem a situação dos servidores, entre as quais o
teto do funcionalismo", completou.
Distorções
O professor de Direito Administrativo do Instituto de
Direito Público (IDP) Sidraque David Monteiro Anacleto detalhou que esse
impasse existe uma vez que não há legislação específica que discipline o caso.
Conforme ele, seria necessário criar uma lei para normatizar as relações entre
o governo federal e as estatais que não se sujeitam ao teto constitucional.
Anacleto disse que o Congresso Nacional precisa se debruçar sobre o tema para
criar uma lei e acabar com essas distorções.
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